Dois erros sobre Nietzsche I
Entre a população imperam
acima de tudo dois erros sobre o pensamento de Nietzsche. São simples de
enunciar:
a)
Nietzsche fala dos gregos;
b)
Nietzsche é anticristão.
Estão mais intimamente
ligados do que parece. Por isso, carecem de análise comum.
Nietzsche não fala dos
gregos. É evidente que nas proposições que ele enuncia, nos temas que
apresenta, os gregos estão permanentemente presentes. Quando Nietzsche passa a
ter prestígio como grande filósofo, até os filólogos helenistas começaram a
citar a sua obra, a usar as suas categorias, a salientar a importância das suas
análises, para a compreensão da Grécia.
Mas Nietzsche não fala
dos gregos. O grande equívoco passa-se ainda durante a sua vida. Quando von Wilamowitz-Moellendorf,
o que virá a ser chamado de príncipe dos filólogos, lê a sua «Origem da Tragédia»,
fica de tal forma horrorizado que faz uma diatribe contra a obra de Nietzsche.
Este não tinha percebido nada sobre a origem da tragédia. Faz entretanto um pequeno
livro sobre o que é a tragédia ática. O adjectivo «ática» não é inocente,
querendo salientar que a tragédia é feita nesta parte da Grécia, não é um
fenómeno grego geral na sua origem.
Passados uns anos, quando
Nietzsche já estava morto e já tem grande prestígio, von Wilamowitz repensa a
questão e redime Nietzsche. Diz: realmente, as críticas que fiz foram injustas,
Nietzsche não está a falar dos gregos, mas de Wagner. E teve a arte de, homem inteligente
e culto que era, de falhar no alvo. Mais uma vez.
Nietzsche não fala dos
gregos. E não fala de Wagner. Nietzsche fala dele mesmo. É esse o seu génio e a
sua originalidade.
Se bem virmos, o que é
vista como a grande originalidade de Nietzsche está bem longe de o ser. Este
apenas traz para o público em geral o que já era movimento comum na erudição clássica,
desde pelo menos a Renascença, para muitos filólogos, tanto os primitivistas ingleses
do século XVII, como no fim do século XVIII e início do XIX com Wolf e Humboldt.
O lugar comum era simples: o apogeu da cultura grega está na sua poesia
primitiva, é em Homero, Hesíodo, ou Píndaro na melhor das hipóteses, que está o
seu auge. A filosofia, a via discursiva, é já um sinal de decadência, de
amaneiramento.
Esta a teoria que
eventualmente prevaleceria na escola de Pforta, em que Nietzsche estudou. Nenhuma
originalidade. Admirar Nietzsche pelo que ele tem de escolar é um paradoxo não
pequeno da nossa época. Ou talvez não tão grande assim, porque a nossa época
gosta de escolásticas, desde que não se apresentem como tal. Das encobertas,
das clandestinas. Porque a nossa época é escolástica, mas não gosta de dizer o
seu nome.
A grande originalidade de
Nietzsche é ser uma espécie de ritual do Graal, do ciclo do rei Artur. Talvez
por isso ele detestasse o «Parsifal» de Wagner, porque o punha nu. O grande
ciclo que põe a nu as várias camadas de que somos feitos nós os europeus.
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