sexta-feira, 10 de maio de 2019

A dita filosofia islâmica I


Henry Corbin tenta demonstrar que existe filosofia islâmica depois de Averroïs, e acaba por demonstrar que, em boa verdade, quase não existe filosofia no islão, nem antes nem depois dele.

Só existe filosofia quando se preenchem ao menos dois requisitos: a) se admita a autonomia da razão (sempre relativa, seja em relação aos instintos, seja em relação ao corpo, ao espírito, seja em relação ao que for, mas real), b) o objecto não seja o livro revelado, mas a realidade como um todo. Quando só se verifica a primeira condição podemos ter teologia, filologia, crítica literária, mas não temos forçosamente filosofia.

Ora é o próprio Corbin a reconhecer que a dita filosofia islâmica mais fecunda é antes do mais uma teosofia, uma gnose, quando muito uma teologia. Acaba, assim, por cair na mesma anfibologia que ocorre em relação à dita arte islâmica. A arte móvel europeia fora da pintura e escultura (móvel, porque se excluiu a arquitectura) chama-se de arte decorativa. Quando se refere ao islão, fala-se de arte sem mais. O que é meramente decorativo na Europa passa a ser arte de pleno direito no islão.

Da mesma forma, tudo passa a ser filosofia, quando na Europa seria tratado em sede de História do sentimento religioso, da teologia, da teosofia ou da gnose, em suma, no âmbito da História da religião.

Uma religião não tem de ser acéfala. A História da teologia europeia está aí para no-lo demonstrar. Nada mais difícil que a teologia de um Santo Agostinho ou de um São Tomás de Aquino. Mas, se entram na História da filosofia, não é por falta de melhor. É que também entram na História da teologia, mas a transcenderam pelos problemas que colocam na metafisica, na ética, na estética. Não estão limitados à gnose dos textos sagrados, têm validade para além deles.

Já entre o islão, fora do texto sagrado pouco sobra, salvo o que é expulso pelo islão (como Averroïs), ou o temporâneo. Os mesmos que tratariam com desprezo a teologia, a gnose e mística europeias já ficariam satisfeitos em falar da grande filosofia islâmica, quando na Europa estariam a falar das tão desprezadas… teologia, gnose e mística.


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