A dita filosofia islâmica I
Henry
Corbin tenta demonstrar que existe filosofia islâmica depois de Averroïs, e
acaba por demonstrar que, em boa verdade, quase não existe filosofia no islão,
nem antes nem depois dele.
Só
existe filosofia quando se preenchem ao menos dois requisitos: a) se admita a
autonomia da razão (sempre relativa, seja em relação aos instintos, seja em
relação ao corpo, ao espírito, seja em relação ao que for, mas real), b) o
objecto não seja o livro revelado, mas a realidade como um todo. Quando só se
verifica a primeira condição podemos ter teologia, filologia, crítica literária,
mas não temos forçosamente filosofia.
Ora
é o próprio Corbin a reconhecer que a dita filosofia islâmica mais fecunda é
antes do mais uma teosofia, uma gnose, quando muito uma teologia. Acaba, assim,
por cair na mesma anfibologia que ocorre em relação à dita arte islâmica. A
arte móvel europeia fora da pintura e escultura (móvel, porque se excluiu a arquitectura)
chama-se de arte decorativa. Quando
se refere ao islão, fala-se de arte sem mais. O que é meramente decorativo na
Europa passa a ser arte de pleno direito no islão.
Da
mesma forma, tudo passa a ser filosofia, quando na Europa seria tratado em sede
de História do sentimento religioso, da teologia, da teosofia ou da gnose, em
suma, no âmbito da História da religião.
Uma
religião não tem de ser acéfala. A História da teologia europeia está aí para
no-lo demonstrar. Nada mais difícil que a teologia de um Santo Agostinho ou de
um São Tomás de Aquino. Mas, se entram na História da filosofia, não é por
falta de melhor. É que também entram na História da teologia, mas a transcenderam
pelos problemas que colocam na metafisica, na ética, na estética. Não estão
limitados à gnose dos textos sagrados, têm validade para além deles.
Já
entre o islão, fora do texto sagrado pouco sobra, salvo o que é expulso pelo islão
(como Averroïs), ou o temporâneo. Os mesmos que tratariam com desprezo a
teologia, a gnose e mística europeias já ficariam satisfeitos em falar da
grande filosofia islâmica, quando na Europa estariam a falar das tão
desprezadas… teologia, gnose e mística.
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