terça-feira, 3 de julho de 2018

Pobreza da literatura I






A nossa época gosta da ênfase e do exagero. Por isso, diz-se, sem perceber muito bem porquê, que a cultura é fundamental e que o que é importante é a criatividade, e que vivemos numa época de grande riqueza cultural.

Imodéstias à parte, necessidades de compensação desamparadas, frases devidamente sequestradas, sejamos crescidos e vejamos qual o verdadeiro ponto da situação da literatura.

Não vou falar da posição do escritor na nossa época, porque sofre do desprestígio geral do que antigamente se chamava de intelectuais. Os clérigos valem pouco hoje em dia, porque todos quiseram ser clérigos. O que qualquer um pode ser todos acham que vale pouco. Mas isso deixo para outras aventuras.

Falemos de literatura, só de literatura. É ela hoje em dia tão rica quanto isso?

A minha ideia é precisamente a contrária. E se quisermos uma demonstração clara teremos de a fazer por partes. O que vejo é uma pobreza de formas, uma pobreza de temas e uma pobreza de fontes.

Pobreza de formas. Ainda no século XIX Byron ou Hugo eram grande sucesso de vendas. A poesia fazia tanto ou mais brado que a prosa, tudo dependia do momento. A poesia não se vende hoje em dia. Lê-se pouco e por isso faz-se menos ou mais clandestinamente.

De entre prosa e poesia, em vez de assistirmos à pujança de ambas, a poesia anda coxa. Mas anda coxa também nas suas formas. Desapareceu a poesia épica, a narrativa, a dramática, o epitalâmio, o panegirico. Apenas resta, de entre todas as formas poéticas, a poesia lírica. Estreitamento de forma, ainda aqui.

Dentro da poesia lírica sobra alguma e pouca poesia sentimental, mas apenas floresce uma poesia existencial ou de marca amorosa. Pouco mais.

A estreiteza da poesia é compensada pelo alargamento da prosa? Não. Despareceram a prosa artística (que Norden bem estudou) como a da História, a retórica judicial, a política, as memórias como exercício de prosa de arte. O que sobra como prosa de arte é apenas a ficção.


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