sexta-feira, 26 de agosto de 2016

As fragilidades do laicismo I


 

 

Sejamos justos. Depois de analisar as fragilidades do islão temos de nos confrontar com o instrumento que se usa na Europa, sobretudo nos países latinos, contra o islão: o laicismo. Instrumento sobretudo na Europa do Sul, porque a do Norte não confunde liberdade de religião com laicismo e nunca precisou dele para instaurar a primeira.

O laicismo é brandido pelos franceses, mas também portugueses espanhóis e italianos para enfrentar o islão. Será o instrumento mais adequado? Não me parece, porque, quanto mais se brande o argumento, mais se vêem as suas fragilidades. Vejamo-las.

Em primeiro lugar, o laicismo mente quanto à sua origem. O laicismo é filho do cristianismo. O velho «dar a César…». Os laicos nunca se perguntam por que razão o laicismo nunca foi criado em terras do islão, ou de budismo. Aceitam o mundo tal qual está e inventam origens míticas. É filho do cristianismo também pelo valor que supostamente dá ao homem. A dignidade da pessoa humana é conceito cristão. Assenta no cristianismo porque colado a ideias eclesiásticas como a de soberania popular (Marsílio de Pádua no século XIII), ou a votação pelo povo dos impostos que o oneram (Ockham no século XIV). Herdeiro das chancelarias reais e imperiais, desde sempre dirigidas por clérigos. Movimento de origem eclesiástica, quer limpar da sua História todos os traços das suas origens.

Mas mente igualmente quanto à sua História. A separação entre o Estado e a Igreja historicamente é em primeiro lugar separação da Igreja em relação ao Estado. O cristianismo, de religião tolerada, torna-se religião do império. É o imperador que convoca os concílios, que regula o estatuto da Igreja. Com a queda do Império Romano a Igreja pode-se finalmente libertar da tutela imperial no Ocidente. Ao longo de toda História da Europa a luta da Igreja é contra um Estado que pretende intervir na Igreja nomeando dos bispos (a célebre questão das investiduras), definindo os privilégios eclesiásticos, por exemplo. Não falo de História longínqua. É nos anos de 1980, em pleno século XX, que o Estado português renuncia ao seu direito de veto na escolha dos papas. Se a Igreja criou uma ideologia teocrática em algumas épocas, a ideologia regalista, galicana e outras foram igualmente criadas por clérigos contra a Igreja. Os chanceleres imperiais que defendiam o império contra a teocracia eram bispos, o galicanismo foi também criado por bispos franceses. Nos países protestantes a máxima autoridade eclesiástica pertence aos príncipes, Pedro o Grande na Rússia acaba com o patriarcado russo. A ideia de que o torno e o altar se uniram resulta de uma solução tridentina em que o altar teve de fazer muitas concessões ao trono com Filipe II e o seu descendente Luís XIV.

O laicismo mente quanto à sua História intolerante e persecutória. A França revolucionária, a da III República, Portugal da I República, o México, os regimes nazi e comunista foram tudo menos de verdadeira liberdade religiosa. Laicismo e liberdade religiosa opõe-se. Os regimes laicistas na sua maioria foram ditatoriais ou autoritários. Laicismo e democracia convivem muito mal. E tenderam sempre para o cesaropapismo, ou seja, o domínio da Igreja pelo Estado. O laicismo esconde assim a sua História violenta, intolerante, dominadora e sufocadora da liberdade religiosa e do pensamento. O laicista julga que já superou esta doença infantil da sua benquista ideologia. Mas é doença de origem, é genética, e corre a todo o momento o risco de ter surtos.

1 comentários:

João Nobre disse...

O Cristianismo foi a vingança das elites judaicas contra o Império Romano:

http://historiamaximus.blogspot.pt/2016/07/o-cristianismo-foi-vinganca-das-elites.html