segunda-feira, 29 de abril de 2013

É a República, Senhores!

Tarde pio sobre o discurso de Cavaco Silva no dia 25 de Abril de 2013. Segui as críticas a quente, depois arrefecidas, sobre as suas palavras. E espanta-me a indignação de tantos republicanos.
Então não combinaram que quem representa o Estado é escolhido, ciclicamente, por uma parte dos cidadãos. Que esse personagem não tem poder nenhum a não ser o da bomba atómica, isto é, a possibilidade de, por livre arbítrio, dissolver a Assembleia da República mesmo que haja uma maioria estável e coesa?
Então não será menos grave o Chefe de Estado poder dizer o que lhe apetece nesse órgão de soberania que está à sua mercê? Não será menos grave Cavaco Silva serenar Seguro na véspera do Congresso, a dois anos de eleições, e depois da promessa de sombra semanal de José Sócrates? Não será menos grave suportar e apoiar o Governo da Nação, seja ele de que cor for, nestes tempos de difícil travessia?
Com um Rei não teríamos estas dúvidas de facção ou de competências. As suas palavras não obedecem a um ciclo nem a qualquer partido e a sua existência depende da confirmação das Cortes.
Não é mais claro? Mesmo não sendo eleito, não resultará mais respeitador dos representantes do Povo? Não será melhor garante da estabilidade governativa?

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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Revolucionários improváveis


Somos contemporâneos da revolução europeia do final do século XX e conhecemos os seus revolucionários. Um deles usava pérolas, laca e meias de vidro.
A filha do merceeiro aguentou o snobismo dos pares; o braço de ferro dos mineiros; a greve de fome de Bobby Sands; a invasão das Malvinas; o sucesso do Papa na ordem das Nações; o estatuto de observadora na Guerra das Estrelas; a ascensão de Gorbachev; o reforço do eixo Paris-Bona, depois Paris-Berlim; o estrondo de uma bomba e a entrada de Diana Spencer na Família Real.
A tudo resistiu, favorecendo o aliado Reagan. Dobrou a esquina do pós-Guerra inglês e deu-se bem até ao cansaço dos seus. Só por dentro poderia perecer.
Nestes dias, para além deste percurso, registo três minudências. A contrariedade que Paulo Portas terá sentido ao apanhar o avião para a Colômbia, faltando ao enterro de um dos seus modelos políticos; a falta do XV Governo Constitucional ao negar honras de Estado à ex-PM Maria de Lourdes Pintasilgo (salvaguardadas as diferenças de um Verão para uma década de serviço ao País); e a insuficiência do relato histórico da fita sobre Margareth Thatcher, apesar da esplêndida interpretação de Meryl Streep.

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terça-feira, 9 de abril de 2013

O silêncio dos indo-europeus

Pelo menos desde o século XVII, segundo alguns ainda muito antes, o ideal da língua adâmica, a língua original, começou a ceder o lugar a uma construção mais empírica, mais rigorosa, do que seriam as famílias de línguas. Para além do extraordinário Leibniz, muitos outros se começaram a aperceber das afinidades que existiam entre quase todas a línguas europeias. Morfológicas, vocabulares, sintácticas. O colonialismo e as missões cristãs no Oriente, sobretudo na Índia, permitiram que certos tipos de paralelos entre línguas orientais e línguas europeias, o grego e o sânscrito nomeadamente, se tornassem evidentes. Mais um feito positivo que tanto os “malditos” colonialismo e missionação tiveram na ciência e na compreensão do ser humano.

Com esses estudos começa-se por estabelecer afinidades linguísticas, mais tarde culturais, de mentalidade. Com maiores ou menores dificuldades, nomeadamente na procura de uma religião comum (os nomes de deuses variam tanto que Dumèzil e Eliade assentam a teoria do trifuncionalismo, mas Terra e Muller, talvez com mais suporte, admitem a hipótese de um Deus-Pai do Céu), não se podem negar nem uma língua, nem vivências, nem visões do mundo comuns entre os povos indo-europeus.

É evidente que é sempre temerário ver linhas rígidas em comum entre povos que vivem em espaços tão afastados, contactando com culturas tão diversas. Mas também seria despropositado não reconhecer o que existe de perene, de persistente que nos alimenta em comum. A perenidade de certas palavras e seus derivados (“atma” e alma ou “atmen” em alemão, “spek” e espelho ou espectáculo, “dois” e “dwa” só para dar alguns exemplos quase anedóticos), a perenidade de certos valores de hierarquia social ligada ao sangue, a importância dada à liberdade enquanto símbolo de nobreza. Todos estes são traços que mostram um parentesco comum. Mesmo países que se converteram ao Islão como a Pérsia mantêm uma destrinça forte em relação aos árabes e turcos, e dão ênfases tipicamente indo-europeias à relação íntima com Deus (a teoria da solidão de Deus do sufismo cresce particularmente no Irão).

No entanto, como o que me interessa são os europeus e não turcos ou persas é em relação a estes que temos de ver como esta herança indo-europeia age e como é vista, dois pólos bem diversos e bem opostos.

O modo como é vista foi envenenada pelo nazismo. Vemos cruzes suásticas nos vasos gregos e nos templos indianos, símbolos indo-europeus por excelência, e não nos chocamos. Mas afastámos de vez esse símbolo do nosso espaço. Concedamos. A memória pode precisar de freios de segurança por vezes. O problema é que tudo o que lembra o nosso passado indo-europeu passou a ser visto com desconfiança, ficando nas elucubrações académicas ou na propaganda neonazi mais ou menos visível ou sub-reptícia.

É evidente que não se pode apagar o facto indo-europeu. Não é uma mera hipótese como a da protolíngua nostrática, na qual o indo-europeu estaria integrada, nem como tentativas de integrar em mais vastos conjuntos as línguas de todo o mundo, ainda muito lassas e de resultados por vezes duvidosos. Os laços linguísticos são fortes demais, impõem-se por si mesmos. Os traços de mentalidade, sociedade, e cultura em geral, incluindo da religião, sofreram múltiplos embates que tornam a coisa mais difusa, mas são ainda suficientemente fortes para não poderem ser descurados. Por isso ao contrário do conceito de raça, que foi recusado pela ciência, a herança indo-europeia não pode ser negada.

Mais ainda. A ironia, pouco visível aos olhos da maioria, é que muitos dos estudos relativos aos indo-europeus se situaram na antiga União Soviética. Por um lado, por razões meramente ocorrenciais. As pátrias primitivas conjecturadas para os indo-europeus encontravam-se em território soviético. Mas sobretudo porque na União Soviética não havia o horror ao nazismo na sua vertente religiosa ao contrário do que se passava na Europa ocidental.

Mas o apagamento do passado indo-europeu tem factores políticos mais actuais. Com a imigração na Europa, que não representa tanto quanto se diz, populações não europeias vivem onde em dia na Europa. Turcos, árabes, paquistaneses. De igual forma população de miscisgenação como americanos ou africanos, de cultura mais europeizada. A teoria do multiculturalismo como de costume obnubila o essencial. E por isso não se poderia, dizem, falar do tronco indo-europeu da nossa cultura.

Devem-se enunciar fontes em molho, ao desbarato, como todas tivessem a mesma importância. Diz-se agora que a cultura europeia é de origem grega, romana, árabe, que o cristianismo, judaísmo e Islão estão no mesmo plano da História europeia. Curiosamente os celtas, eslavos, germanos, ilírios, albaneses, ciganos são esquecidos. E as origens indo-europeias nunca são referidas em textos oficiais. O discurso é político e portanto não tem de ser verdadeiro. Questão é a de saber se a mentira, a omissão, é boa política. Ao pretender apaziguar sub-proletariados externos que se acomodam à Europa, em minorias ainda pequenas sob o ponto de vista demográfico, ainda menos relevantes sob o ponto de vista económico, pouco significativas em geral sob o ponto de vista político, e nulas sob o ponto de vista cultural, apaga-se o essencial. A não ser que consideremos que restaurantes chineses e turcos são pontos altos da cultura (e admito que para certas criaturas sejam os pontos mais altos da cultura que atingem), não me consigo lembrar de um filósofo ou cientista na Europa com origem turca ou magrebina. São políticas que contam com a passividade das imensas maiorias da população, com os resultados bem conhecidos que a História nos ensinou.

Sob o ponto de vista político e mais uma vez, esta questão que parece “meramente” teórica tem efeitos no nosso dia a dia. Não se pode ter orgulho de um passado que nunca nos foi contado. E temos muito boas razões para ter orgulho no nosso passado indo-europeu. As culturas mais ricas e diversas que o mundo viu são indo-europeias, a europeia, a grega e a indiana. As religiões mais humanas ou saíram do espaço indo-europeu (o budismo) ou nele ganharam toda a sua amplitude (o cristianismo). A ciência mais complexa e profunda saiu deste espaço. Um mundo dominado por turcos e chineses faria bocejar pela sua platitude.

Porque o silêncio não é inacção. E bem pelo contrário, certas plantas crescem mais poderosas no silêncio. Quando se fala, pode-se tentar conter. Quando se omite, o animal cresce em subterrâneo, sem estatística, sem mensuração. O espírito guerreiro, o ideal de heroísmo, a perseguição da transcendência crescem de forma mais anárquica no quintal que no jardim. Deixados a si mesmos, podem criar mais o risco de criar erva daninha que planta alimentícia. Obnubile-se o facto e teremos o facto e mais a sua obnubilação. Não o apagaremos. Uma classe política que ignora o subterrâneo apenas é desprovida de freios contra terramotos. Tapando os olhos apenas não os vê.

Mais e mais uma vez à ignorância se junta a intenção. Ignorando o seu glorioso passado, de infinita riqueza, não podem os europeus orgulhar-se (legitimamente) do que deram ao mundo, de que testemunho são portadores. A intenção, de americanos, turcos e alguns europeus, é a de que esta ignorância se mantenha. A mediocridade consola-os, não querem sofrer com a confrontação. Esquecem-se é que a mediocridade é auto-destrutiva. Fazem vítimas, mas eles mesmo não fugirão às suas consequências. E como não têm qualquer noção de futuro, não percebem que forças trabalham em subterrâneo para os destronar. Pena é que não possam vir mais cedo à superfície. Pena é. Porque surgirão com ainda mais força como a História nos ensina. E sempre que a Europa desperta, o mundo tem tremido.





Alexandre Brandão da Veiga

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segunda-feira, 1 de abril de 2013

A palavra e a honra


Sei o que é servir um ex-Primeiro Ministro maldito, sem garantias de contraditório. Essa injustiça revolta-me, seja com quem for. Até ao dia em que o injustiçado tenta usar o mesmo embuste para se defender. Há verdade em algumas respostas de Sócrates na entrevista. Mas sabemos que não existe maior mentira do que a que tem 90% de verdade.
Por estimável que seja ver um Pai de dois filhos defender a sua honra, José Sócrates deveria ter cuidado que esse objectivo se manteria durante a entrevista, a par de todos os outros fins que justificaram este meio. O PM anterior a Sócrates escreveu em livro a sua «narrativa». Mas sustentou cada frase com dados objectivos que, preto no branco, podem ser provados ou questionados. Curiosamente, não foram desmentidos.

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