sábado, 10 de agosto de 2013

Dogma e liberdade II


Os movimentos contemporâneos, não é contra o mundo medieval, ou antigo, que se dirigem, mas ao próprio mundo burguês que os fez nascer. São revoltas edipianas contra a sua paternidade e a sua origem. O ímpeto revolucionário destruidor dos seus pais virou-se agora contra eles, o que é simultaneamente poético e justo, e feito de uma ironia rotineira da História.

 

O resultado no caso concreto é que o bom do Polikoff, para compreender a mística de Rilke vai procurar a sua fonte no sufismo, esquecendo que o sufismo é herdeiro do cristianismo e do platonismo e não o inverso (lembro que São Gregório de Nissa viveu mais de dois séculos antes de Maomé, e Santo António do Deserto quase três séculos antes, para os mais exigentes). E que Rilke notória, gritante, expressamente influenciado pela mística russa, que, como toda a mística ortodoxa, é bem mais publicitada e visível entre os ortodoxos que a ocidental o é entre os ocidentais, seria bem mais compreensível pela mística ortodoxa que por uma putativa e nunca demonstrada influência da mística maometana.

 

Tique curioso e significativo: esvazia-se o passado da Europa e por isso tem de se ir ao exótico procurar referências. Quem o faz esquece-se que não é o vazio alheio que explica essa necessidade, mas o próprio. Polikoff não é médico, mas sintoma.

 

Depois de ver a situação na perspectiva negativa, que sobra então desta ideia de que Rilke se opunha ao catolicismo e construiu uma religião pessoal? O dogma impede a liberdade? É a pergunta a fazer, em suma.

 

Quando vemos os abismos que separam São Francisco de Santa Teresa de Ávila, Santo Agostinho de São Tomás de Aquino, Mozart de Joachim des Prés, Rubens de Giotto, Cervantes e Dante temos de nos perguntar se de alguma forma o cristianismo, e mais especificamente a ortodoxia dogmatizada, impediu a liberdade e a criação. Quando permitiu uma Alienor de Aquitânia e um Carlos Magno, bem como um Fernando Magno ou um Ivan o Terrível, não se pode dizer que as personalidades tenham ficado estereotipadas por causa do dogma. Verdade simples e difícil de compreender para a pouca oxigenação da época: todo o cristianismo é pessoal, e pressupõe uma relação pessoal com Deus.

 

O dogma é como um ponto de fuga num quadro que usa a perspectiva. É um ponto ideal sem o qual o resto do quadro cai em colapso. Não é apenas um desiderato, algo de residual, saliento. É o ponto de fuga para onde deve tender a nossa vida. O dogma neste sentido é sempre escatológico. Mas que toda a nossa vida seja determinada pelo dogma, ou que este tenha essa pretensão, já me parece temerário afirmar.

 

Vamos então ao bom do Jung, o verdadeiro, e não o digerido por molesta pança. Ele salientou bastante que a psicologia não pode falar de Deus mas apenas da «imago Dei». É verdade o que diz Tertuliano, em certo sentido: «anima naturaliter christiana», a alma é naturalmente cristã. Admita-se. Mas talvez se devesse dizer que «anima naturaliter haeretica» ou mesmo «gnostica». Por isso, o dogma tem essa função de ponto de fuga no quadro. Em suma, de ligação ao Espirito.

 

Santo Agostinho dizia que «graças a Deus não sou responsável pelos meus sonhos». Agostinho concubino e maniqueísta, geralmente pensa-se, em sonhos provocados pelo primeiro estatuto e não pelo segundo. Os sonhos de que fala Agostinho talvez sejam mais heréticos que eróticos. Os nossos sonhos não obedecem ao dogma. Nenhuma vida é absolutamente ortodoxa. Fora assim não haveria nenhuma luta.

 

A ideia de um tempo em que o dogma tudo uniformizava, tempo esse de que nos teríamos libertado, é apenas mais uma fantasia do servo da gleba que precisa de inventar uma gleba para não se sentir mais servo. A sua liberdade nasce de uma libertação de prisões imaginárias, para não sentir o peso das grilhetas reais que o afligem e que foram feitas por si. Nascido de migração, estranho no seu próprio mundo, não peregrino, mas transeunte, calcorreia os passeios da vida sem saber para onde ir e acabando por não querer que mais ninguém vá para alguma parte.

 

Alexandre Brandão da Veiga

2 comentários:

miguel vaz serra....... disse...

Sem ligação alguma ou talvez sim, isso não interessa nada,como diz a outra. O que interessa aqui é o porquê do abandono total do Estado Português, na pessoa dos últimos Governos e lógico, deste, do património nacional, seja ele privado ou nosso, de todos, o do Estado tão mal gerido, roubado e lapidado pelos governantes.
Todos os anos Portugal arde.
Nada nem ninguêm faz nada há décadas para acabar de vez com esta saga.
Uma vergonha nacional,como tantas outras, em que os canais de televisão aproveitam para "fazer novela" mas não para ajudar a prender os criminosos.
40% dos fogos começam à noite de forma criminosa, 20% durante o dia de forma criminosa e os restantes "não se sabe....."
Hoje li que "O ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, lamentou hoje a morte de mais um bombeiro no país, realçando que, devido aos incêndios, Portugal perdeu “três mil milhões de euros” na área da floresta, na última década."
Mais um bombeiro morte.
Um jovem de 23 anos.
Que descanse em paz.
Na semana passada foi uma Bombeira de 24 e que deixou uma filha de 4.
Nem Cavaco nem Passos lamentaram a morte deles, no entanto encheram as páginas do Face Book lamentando a morte do amigo Borges.
Acabaram com os guardas florestais para "poupar dinheiro".Mas quantos guardas pagariam os 3 mil milhões de euros?
E a lei? Que se passa com este País?
Todos os anos são apanhados os mesmos incendiários a pôr fogos nas mesmas regiões.
Que se passa com os Juízes?
Aliás, quem paga os ordenados aos Juízes?
NÓS!
A lei diz que têm que ser presos durante a época de fogos os criminosos que foram apanhados no passado.
Quantos foram presos?
NENHUM.
A lei diz que podem apanhar até 12 anos de cadeia os criminosos que forem apanhados a pôr fogo.
Quantos estão presos por isso?
NENHUM.
Teixeira da Cruz deve estar orgulhosa dos 2 anos e meio de Ministério.
Eu estou horrorizado!!!
Mais por conhecer a língua da Senhora sempre afiada e pronta a criticar tudo e todos sejam colegas de Partido ou não!!!!!!
Pobre Portugal que nunca levantarás cabeça....
Já dizia o outro há milhares de anos.."um povo que nem sabe nem se deixa Governar..."

miguel vaz serra....... disse...

Se há políticos que só pensam neles tambêm os há,muito poucos, que sabem utilizar a sua imagem e mediatismo para causas importantes.
Parabêns e obrigado!!!!!!!!ao EX-Primeiro Ministro Dr. Santana Lopes.
Foi até agora o ÚNICO político português que se "revoltou" com esta saga nojenta que queima Portugal todos os anos.
Neste mesmo momento soube da morte de mais uma Bombeira de 21 anos e há poucas horas a morte de mais um Bombeiro que agonizava há umas semanas na cama de um Hospital.
Paz às suas almas.
Mais uma vez obrigado pelas suas palavras que vi e ouvi nas notícias da uma uma hora na TVI.