É a Europa uma construção anti-histórica?
“A Europa não é fundada no cristianismo, e além do mais a Europa é uma construção anti-histórica”. Este é em síntese o argumento invocado. A sua simples formulação mostra que não se trata de um discurso racional, fundamentado, mas que a conclusão se quer impor a toda a força independentemente de ter consistência ou não a ideia. O que visa? Visa sempre a pacificação dos proletariados externos, imigrados ou não, sobretudo de origem muçulmana.
A construção não tem lógica porque ignora o outro fundamento da Europa, a herança pagã indo-europeia, para já não falar do substrato de Velha Europa. Falha de fundamento igualmente porque, preparados para o desespero de causa de não poder apagar a herança cristã da Europa, lançam de um argumento de expediente que é o de dizer: mas isso não interessa porque a Europa é uma construção anti-histórica.
Da mesma forma que as leis da física não se violam, mas apenas se têm em conta, as inércias históricas (seja de estabilidade, seja de movimento) não podem ser ignoradas. Um avião não viola a lei da gravidade. É precisamente por a ter em conta que pode voar. Não voa por causa dela, mas tem de voar num ambiente que a ela obedece. Da mesma forma ficcionar que se vive num mundo anti-histórico é presunção de anjo. É frase angélica proferida por anjo caído.
Quem é esta fauna que profere tal tipo de afirmações? A mesma que teve História no liceu duas horas por semana na sua adolescência. O que aprendeu nessa altura? Um prima minha dizia que a História que se aprendia no liceu era muito simples: vieram os egípcios... e depois morreram todos; vieram depois os gregos... e depois morreram todos; os romanos... e assim por diante. Como eu sempre desconfiei desses genocídios mentais tentei dedicar-me um pouco mais à época helenística, ao império bizantino, à Idade Média latina, no que muito devo a Ferdinand Werner, a Curtius, Ostrogorski, Gregorovius, Gibbon mas também aos neoplatónicos e Padres da Igreja, entre alguns outros.
O que resulta para quem não tenha uma concepção genocidária da História é que não apenas as pessoas não deixam de viver, mas bem pelo contrário essas épocas menos observadas pelo comum (refiro-me ao homem público, evidentemente) marcaram tanto as mentes quanto as mais iluminadas pelo foco da atenção escolar. Euclides, Santo Agostinho, Martianus Capella ou Boécio estão fora desse foco, mas marcaram mais directamente os milénios que os mais conhecidos Platão ou Aristóteles.
O que é afinal anti-histórico? Na construção europeia o facto de se ter feito uma construção pacífica da Europa pela primeira vez. Desta forma, sem dúvida. Mas o Nube Austria Felix mostra que a expansão dos Habsburgos enquanto tal não foi feita com base na guerra e bem mais a manutenção desse império custou guerras. É certo que foi a primeira construção da Europa em democracia. Mas foi igualmente a primeira feita com electricidade e televisão. Significa isto que é anti-histórica? A História é guerra, é o que nos afirmam. É consolador saber finalmente o segredo de todos os nossos antepassados. O que faziam? Guerra. A mulher mata o marido, o filho a filha. Não tinham tempo, pobres coitados, para fazer outra coisa. Como toda a gente sabe, a guerra é ofício de analfabetos, como Cervantes, Camões, Sócrates ou Ésquilo, esses medíocres, bem sabiam.
Anti-histórica construção quanto aos seus fundadores? Ou será que a obra inicial, e a mais difícil sem dúvida, foi obra de grandes conhecedores de História e só graças a isso possível?
Mais uma vez estamos perante um caso de engenharia histórica, mas feita por ignorantes da dita. Não conheço bom engenheiro civil que desconheça física. Se a desconhece tem outro nome: mestre-de-obras... ou trolha. Uma Europa construída por trolhas mostra a solidez dos seu fundamentos.
É possível fazer algo anti-histórico? Não, tudo se incorpora na História. É possível fazer algo contra a inércia histórica? É bem provável que sim, embora a mesma História nos tenha demonstrado que em geral os frutos só caem de maduros. O império romano, o Ancien Régime francês ou o império dos czares caíram por dentro. E cortaram realmente com a História? O império romano do Ocidente continua com Boécio, Prudêncio, Ausónio na cultura, com a militia Christi nas instituições, para já não falar na parte oriental do império. O Ancien Régime perpetua-se e agrava-se com a Revolução Francesa em muitos aspectos, como a situação da mulher, que piora, a protecção social, que evanesce. E do que se lembram na Revolução Francesa como paradigma? Algo de tão moderno... como a República Romana. O império soviético foi tão russo quanto os seus antecessores, espalhando a sua influência duradoura na Europa central e oriental e na Ásia central, na boa tradição tzarista. E manteve um sistema cesaropapista com uma religião de Estado, do cristianismo para o estalinismo, ambos religiões de Estado.
As rupturas não quebram todas as continuidades e bem pelo contrário são em grande medida retornos. O argumento histórico de alguns sociólogos (!!!) é o de que a Europa se construiu contra si mesma. Num certo sentido tudo cresce contra o que foi. Nessa perspectiva é banalidade. Mas de que fala esta gente? Da Renascença? Que maior retorno mítico à Antiguidade poderia haver? O Barroco? Construção em grande medida peninsular e retorno à Idade Media latina, como bem viu Curtius. A revolução científica? Em parte retorno a Diofanto, Arquimedes, Euclides, Eudoxo e Platão. A reforma? Em boa parte retorno a Santo Agostinho e aos Padres da Igreja. A teoria da relatividade? Reposição em parte de Maxwell e retorno inconsciente a Duns Escoto. A psicanálise? Em boa parte revivescência de secular tradição de valorização dos sonhos e do mito da eterna criança. A construção europeia? Retorno em boa parte à Europa de Verdun de 849 na sua fundação e expressamente assente da ideia de Respublica Christiana pelos seus fundadores. Retorno a Dante, acima de tudo, com a sua separação entre o imperium, e o sacerdotium.
As épocas que se pretendem originais são apenas esquecidas.
O que seria fazer algo contra a inércia histórica? Negar de vez o cristianismo por exemplo. Nietzsche bem o tentou, sendo dos raros que disse em alta voz o que muitos pensaram e ou praticaram antes dele. Que a maioria das vidas humanas não têm valor, que os seres humanos são fundamentalmente desiguais e que só a vida heróica é digna de ser vivida, ou seja, que a maioria delas é apenas magma para fazer tijolo. O único problema é que quando este tipo de ideias sai de um certo círculo aristocrático costuma haver nazismos. Anti-histórico seria fazer tábua rasa de muitas pequenas instituições que parecem ser meros resquícios históricos, como as regras de etiqueta, por exemplo. Passamos assim a viver num mundo em que escarrar para o parceiro passa por vivência democrática. E a Revolução Francesa mostra como isso pode ir em crescendo até a guilhotina e Robespierre.
Se querem ser anti-históricos que sejam ousados e não enfadonhos e rotineiros, apregoando uma mais que vista democracia, regime instalado na História e dela dependente por excelência. Se querem ser anti-históricos têm de proceder como Nietzsche à subversão de todos os valores. Mas que seja efectivamente coerente. Que não apregoem valores cristãos de fancaria. Sejam homenzinhos e revoguem de vez a História. Atirem-se para o realmente inovador. Do bordel ao parlamento e vice-versa (Aristófanes apenas o fez como exercício de estilo), que o façam como é de seu apanágio: sem estilo. Ou transformando instituições humanitárias em centros de tortura abertos (a palavra “abertos” é a parte mais inovadora da expressão).
Reconheçamo-lo. A liberdade de expressão significa apenas que não pode haver relação directa entre o que se diz e a prisão. O que é justo. Mas não devia repelir a sindicância nem o apupo. Ninguém devia ser preso por dizer disparates, mas o que é grave é que só se seja livre para os dizer. A História está nas mãos de sociólogos, juristas, políticos, economistas, ou quando muito de especialistas na lei das sesmarias. Ora a História é abertura, alargamento de horizontes. Como todas as ciências, sofre com a superficialidade ou a especialização. Quem afirma que a construção europeia é anti-histórica vive nesse mundo pequenino em que tudo é aparentemente novo, mas flutuante; no fim de contas, irrelevante. Apenas se fascina com brinquedos novos disponíveis no retalho das ideias.
Alexandre Brandão da Veiga
3 comentários:
-> A superclasse (alta finança internacional - capital global) não só pretende conduzir os países à IMPLOSÃO da sua Identidade (dividir/dissolver identidades para reinar)... como também... pretende conduzir os países à IMPLOSÃO economica/financeira.
-> A superclasse é anti-povos que pretendem sobreviver pacatamente no planeta...
-> A superclasse ambiciona um Neofeudalismo - uma Nova Ordem a seguir ao caos... consequentemente, como seria de esperar, a superclasse apoia o pessoal gerador de caos... nomeadamente, o pessoal que anda numa corrida demográfica pelo controlo de novos territórios.
ANEXO:
Devem os portugueses abdicar da existência duma Pátria sua?
{antes que seja tarde demais... pelo iniciar duma transição gradual}
Bom,
-> apesar de muito pessoal estar-se a borrifar para 'isto': querem é curtir... [nota: estão no seu Direito];
-> apesar de muito pessoal ser adepto da competição global... [nota: estão no seu Direito];
-> apesar de os portugueses não serem a nação mais antiga da História;
-> etc;
---> será que os portugueses devem abdicar da existência duma Pátria sua?
RESPOSTA: na minha opinião, NÃO!
---> Quando se fala em SEPARATISMO-50-50... não se está a falar em apartheid, mas sim, em LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA, ou seja, separatismo puro e duro: uma Nação, uma Pátria, um Estado.
Nota 1: Como é óbvio, a Nação mais antiga da História - os Judeus - não abdica duma Pátria sua.
Nota 2: Ao contrário dos Judeus que fizeram uma TRANSIÇÃO BRUSCA... eu penso que a transição para o separatismo-50-50 deveria ser uma TRANSIÇÃO GRADUAL (de algumas décadas).
P.S.
-> Uma NAÇÃO é uma comunidade de indivíduos de uma mesma matriz racial que partilham laços de sangue, com um património etno-cultural comum.
-> Uma PÁTRIA é a realização e autodeterminação de uma Nação num determinado espaço.
-> Ora, existindo não-nativos JÁ NATURALIZADOS com uma demografia imparável em relação aos nativos... como seria de esperar, abunda por aí muita conversa para 'parvinhos-à-Sérvia'.
No caso português foi a mistura cro-magnon / spiens que deu esta bela identidade de fado e tourada: vide o menino do Lapedo.
"vieram os egípcios... e depois morreram todos"
Levar a sua prima a conhecer a Praça Tahir sería tudo da sua parte, generosidade de bom mestre !!!!!
Enviar um comentário