Tagarelice e matemática II
Devo dizer que li Platão durante anos com alguma relutância. A sua repulsa pela democracia parecia-me suspeita, tão suspeita quanto o elogio dos estóicos médios, e tão divulgado por Políbio, do regime misto (de monarquia, aristocracia e monarquia). Mas não podemos esquecer que Platão não lidou com a ideia de democracia. Lidou com o que ela era no dia-a-dia, sobretudo depois da morte do seu aristocrático chefe, Péricles. A democracia entregue nas mãos do povo, em que o povo ficciona ser aristocrata e a grosseria se torna padrão, foi ao que assistiu Platão.
O comum é dizer-se que ele apresentou uma solução extrema na “República” e depois matizada nas “Leis”. De uma forma ou de outra, as suas utopias eram baseadas no controlo, e também as demais utopias, sejam de More ou de Campanella, me parecem espaços de horror, fundadas na ideia de que o ser humano é simples, e a felicidade se obtêm por vias lineares. O controlo e a uniformização aparecem em cada canto da utopia.
Mas este comum não é toda a história. Uma coisa é o que se diz, outra a que se fez. Não há memória que a Academia tenha tentado impor o seu monopólio em Atenas. O Liceu e o Pórtico e o Jardim mantiveram-se durante séculos lado a lado. Nem nada indica que a prática de Platão tenha sido controladora. Recolheu nas suas hostes o seu principal destruidor, Aristóteles, e tudo vai no sentido em que a admiração era profunda e recíproca. E os seus sucessores na Academia não foram platónicos ortodoxos igualmente.
Não foi o controlo censório que imperou na Academia, nem as sebentas do professor. Qual era o critério e qual, suspeito, foi a prática? Um velho adágio, mas cuja importância foi pouco sublinhada, entendido como mera anedota: “que não entre quem não souber geometria”. O controlo não era “que não entre quem não for platónico, quem não critique Homero e os poetas, ou a democracia”. O crivo estava na geometria, ou seja, e falando em linguagem actual mais generalizada, quem não souber matemática.
Porquê a matemática? Não porque a matemática não permita a discussão, por ser tudo certo nela. Essa é a mais uma via de lhe destruir a grandeza e a posição como cultura. A matemática não é mera técnica, ao contrário do que os visitantes das estantes livreiras portuguesas podem julgar. O seu papel na busca da verdade, e das verdades em geral, é essencial. Platão bem o soube. É que se existe o oposto da tagarelice é a matemática. Esta permite várias teorias, várias correntes (e Deus sabe quantas houve e há, e quantas se odiaram ao longo dos tempos entre si).
A matemática não é certa no sentido de ser uníssona, sem discussão, sem dialéctica. É exactamente oposto disso. Mas a matemática é o inverso da tagarelice. Cada coisa que se diz tem de se saber muito bem porque se diz. O inverso da tagarelice não é a conclusão certa, mas o caminho responsável. O que significa o aviso da Academia então? “Que não entre quem for tagarela”, quem usar a linguagem apenas para ocupar espaço, para encher o espaço sonoro e o tempo alheio com uma neblina que só obscurece a procura da verdade.
O comum é dizer-se que ele apresentou uma solução extrema na “República” e depois matizada nas “Leis”. De uma forma ou de outra, as suas utopias eram baseadas no controlo, e também as demais utopias, sejam de More ou de Campanella, me parecem espaços de horror, fundadas na ideia de que o ser humano é simples, e a felicidade se obtêm por vias lineares. O controlo e a uniformização aparecem em cada canto da utopia.
Mas este comum não é toda a história. Uma coisa é o que se diz, outra a que se fez. Não há memória que a Academia tenha tentado impor o seu monopólio em Atenas. O Liceu e o Pórtico e o Jardim mantiveram-se durante séculos lado a lado. Nem nada indica que a prática de Platão tenha sido controladora. Recolheu nas suas hostes o seu principal destruidor, Aristóteles, e tudo vai no sentido em que a admiração era profunda e recíproca. E os seus sucessores na Academia não foram platónicos ortodoxos igualmente.
Não foi o controlo censório que imperou na Academia, nem as sebentas do professor. Qual era o critério e qual, suspeito, foi a prática? Um velho adágio, mas cuja importância foi pouco sublinhada, entendido como mera anedota: “que não entre quem não souber geometria”. O controlo não era “que não entre quem não for platónico, quem não critique Homero e os poetas, ou a democracia”. O crivo estava na geometria, ou seja, e falando em linguagem actual mais generalizada, quem não souber matemática.
Porquê a matemática? Não porque a matemática não permita a discussão, por ser tudo certo nela. Essa é a mais uma via de lhe destruir a grandeza e a posição como cultura. A matemática não é mera técnica, ao contrário do que os visitantes das estantes livreiras portuguesas podem julgar. O seu papel na busca da verdade, e das verdades em geral, é essencial. Platão bem o soube. É que se existe o oposto da tagarelice é a matemática. Esta permite várias teorias, várias correntes (e Deus sabe quantas houve e há, e quantas se odiaram ao longo dos tempos entre si).
A matemática não é certa no sentido de ser uníssona, sem discussão, sem dialéctica. É exactamente oposto disso. Mas a matemática é o inverso da tagarelice. Cada coisa que se diz tem de se saber muito bem porque se diz. O inverso da tagarelice não é a conclusão certa, mas o caminho responsável. O que significa o aviso da Academia então? “Que não entre quem for tagarela”, quem usar a linguagem apenas para ocupar espaço, para encher o espaço sonoro e o tempo alheio com uma neblina que só obscurece a procura da verdade.
2 comentários:
Graças a Deus que PP Coelho salvará a democracia, mais um feito português para juntar a muitos.
xiiii mamma mia....fia-te na virgem fia...
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