Os sonhos erram? I
Na nossa época que se crê muito científica esta pergunta nunca é colocada: os sonhos erram? Nela encontramos uma de três posturas: os sonhos são disparate, nem vale a pena perder tempo com eles, os sonhos apenas podem ser analisados na perspectiva das neurociências, ou então os sonhos são a porta de entrada para a verdade.
Que os sonhos sejam mero disparate é a postura do marinheiro céptico, do corsário e o merceeiro que em nada acreditam que não possa estar na ponta do mastro, do sabre ou do lápis. Muitos cientistas não adoptam postura científica, mas apenas colocam no papel os seus preconceitos de origem social. Não foi só Jung que assistiu a sessões de mediunidade, foi Pierre Curie também. A verdadeira curiosidade científica não recusa nada - para poder fazê-lo com critério.
Que os sonhos sejam apenas objecto de neurociências é atitude que adoptam outros um pouco mais sofisticados e mais informados, descendentes dos primeiros. Descobriram uma porta de acesso ao sonho, porta que parece segura, e dela não saem. Recusam menos, mas por porta estreita. Não deixaram o preconceito de merceeiro, apenas lhe juntaram uma porta ao lado.
A terceira atitude é a da psicanálise dita clássica. Daria todo um tratado a análise das acções e reacções dos Freudianos e anti-Freudianos em relação aos sonhos. Freud descobriu um dogma: sexo é Deus e o sonho é o seu profeta. Como Jung e a filologia clássica (não penso sequer nos mais velhinhos, mas em Jacques Jouanna por exemplo) e a antropologia sempre salientaram, Freud distorcia o sentido dos mitos apenas para caberem neste dogma fundamental. Mesmo que a filologia, a antropologia e os casos clínicos desmintam as suas teorias, os seus seguidores continuam a ignorar o dado empírico e tentam enfiá-lo a todo o custo na teoria.
É curioso como os cientistas tendem a detestar – de modo injusto até certo ponto – Freud. Todos os que conheço quando muito têm simpatia por Jung, mas desprezam Freud. É curioso igualmente como Freud é considerado mais científico... por não cientistas. Este é mais um dos sintomas da triste separação entre ciências e letras que existe na nossa época. A tradição é bem antiga. Pauli escolhe Jung e não Freud. E se Einstein escolhe Freud, é por precisamente reconhecer a sua total incapacidade em perceber, não apenas as suas ideias, mas a sua relevância.
De uma forma ou de outra, a verdade é que na revista de moda, na notícia de jornal, Freud ganhou o espaço público. O sonho é oracular, mesmo que se dê ao oráculo uma atenção distraída, não menos distraída que os gregos muitas vezes davam aos seus. Ou então uma desatenção nervosa, como Jocasta de Sófocles que nega a validade dos oráculos. Imagine-se, diz ela a Édipo, que um oráculo lhe disse que ela se casaria com o filho.
A atitude mais sensata, embora talvez nem sempre justa, foi a de Santo Agostinho que afirmou “graças a Deus não sou responsável pelos meus sonhos”. Algo injusta, porque talvez tenhamos algum contributo para os nossos sonhos. Bem sensata, porque é sinal que percebeu que não temos sobre eles controlo pleno. O que nos dizem pode ser muito pertinente, é-nos atirado para o plano da nossa vida, mas nem sempre nos ajuda ou nos define.
1 comentários:
De facto o maior sonho, tornado realidade, do bom do judeu Sigmundo, foi ter tido o sobrinho que teve (Bernays, considerado pelo próprio J. Goebbels como o seu mentor), que lhe lançou e propagandeou a obra literária, sem o qual seria mais um médico medíocre (sem sucesso e sem clientela, e a pouca que teve muitos, não lhe pagavam, porque seria, LOL) com uns livrecos e uma teoriazecas engraçadas hoje a ganhar pó num qualquer sotão vienense.
Com os melhs. cpts.,
CCInez
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