quarta-feira, 7 de julho de 2010

Só visto.


Em boa hora a Cinemateca Portuguesa, na secção «Abrir os Cofres» fez passar, há dias ao fim da tarde, uma série de doze filmes inéditos, do período de 1902 a 1932. Lá estava Rui Ramos para os comentar e enquadrar políticamente com a capacidade de se surpreender que só os melhores historiadores mantém pura. «Foi como se, de repente, estivesse a ver o Ramsés II a mexer-se e a andar de um lado para o outro. Lá estavam todos, vivos, o Rei, o Hindze Ribeiro, o José Maria de Alpoim, que aqui segue o cortejo mas sabemos que os haveria de trair, os revolucionários nas calmas...», dizia, animado com a descoberta.
No anfiteatro da Cinemateca, à cunha, adivinhavam-se monárquicos, intelectuais ligados ao cinema de arquivo e republicanos. Foi divertido «assistir à assistência» ao longo daqueles 40' de pequenos filmes, quase todos tornados cómicos pelos protagonistas na época e pelos espectadores 100 anos depois. A normal contenção «democratico-cerimoniosa» do público cedeu cada vez que a fita desautorizou a versão histórica do século republicano.
Ver os heróis de Chaves (que esmagaram uma incursão monárquica) levarem tabefes do instrutor que lhes endireitava o boné e os reprimia pelo estado em que tinham a arma, foi uma delícia. Reparar na amabilidade das capturas de monárquicos no campo, filmadas pela propaganda republicana para provar que não havia execuções sumárias e que o inimigo era levado a julgamento, foi outra delícia. Só faltava pôr o figurante a dizer: «Não vale aleijar! Porra, isto é só para o boneco!».
Assistir à sesta dos revolucionários no chão do Rossio, em plenos combates do 5 de Outubro, rodeados de Povo, de mantas e de comida foi revelador da violência da refrega. E a maneira como os bravos soldados da Rotunda se exibiram para a câmara, mortos de riso, em pose de guerra, apontando armas, não para o inimigo, mas para o camaramen que continuava a gravar descansado, foi hilariante.
A assistência da Cinemateca não se conteve. Republicanos e monárquicos riram, sem cuidar das trincheiras tal como os soldados da reportagem. Parabéns à Cinemateca. É para descobrir a História que servem as efemérides. Esperemos que a RTP tenha a mesma abertura e passe estas imagens inéditas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Vejo que está atenta ao programa das festas da República. Mais do que todos nós. Penso que a posso citar quando escreveu, noutra ocasião, dizendo que estas comemorações são «autofágicas»

miguel vaz serra........ disse...

Nada mudou....infelizmente.

Táxi Pluvioso disse...

Isso é capaz de ter sido interessante.