Notícias umbilicais
Toda a manhã informativa foi tomada pelo assalto de alguns sul africanos às coisas de dois jornalistas portugueses e um espanhol. Trabalhando com a televisão ligada, pude assistir ao frenesi das reportagens sugerindo o perigo a que valentemente estavam sujeitos, a falta de condições de segurança a que indecentemente estavam expostos e, até, ao verdadeiro Soweto que os rodeava. Nunca vi nada tão ridículo. Há que ter a noção do interesse público e do interesse do público. O pequeno furto mereceu 15 segundos de antena num canal brasileiro e nenhum segundo na BBC World. Em Portugal, nunca seria notícia se os visados não fossem os próprios jornalistas visivelmente impreparados para estarem no terreno dada a mariquice de receios que expuseram sobre o local onde estão.
Poderíam ser reporteres de guerra, sem deixar de falar nas condições logísticas?
Poderíam fazer dossier sobre grupos oposicionistas numa qualquer ditadura, sem deixar de exibir a sua galhardia?
Que saudades tenho das reportagens de Cândida Pinto, Santos Pereira, Jorge Araújo ou José Rodrigues dos Santos, entre outros. Gente que se faz invisível para um trabalho de utilidade pública e notória.
Em Julho de 1993, em Washignton, pedi para assistir a uma reunião de redacção da National Public Radio, a cadeia radiofónica que atravessa todos os Estados dos EUA, género TSF, e que, nessa altura, marcava a agenda política e televisiva (CNN incluída) daquela potência hegemónica mundial.
Lá fiquei calada e pasmada durante 50 minutos a ouvir o que aqueles senhores diziam que devia ser notícia no mundo, nesse dia. Pasmada porque perderam 30 minutos com o simples facto de um cão ter mordido num carteiro. Esse era o light motiv para mesas redondas sobre salivas de cão, modelos de segurança das casas, donas de casa isoladas, legislação sobre o direito a ter cão, etc. Os restantes 20 minutos foram distribuídos por outras notícias nacionais e, apenas, três temas internacionais: 1) sobre a Somália, onde as tropas norte-americanas estavam estacionadas; 2) sobre uma instabilidade governamental em Moscovo; 3) sobre uma ligeira abertura económica na China. Em suma: tudo interesses domésticos americanos, compatíveis com o facto da maioria dos senadores nunca terem tido um passaporte.
Uma vez mais me envaideci com a nossa universalidade. Até ao baque desta manhã.
7 comentários:
Nos tele-jornais da uma, rtp1, sic e tvi estavam concertados com a mesma notícia. O zapping não resultava. Naquele momento, a rtp2(a tv da cozinha apenas tem 4 canais), onde dava desenhos animados, era a melhor opção. Por isso de acordo com o que escreveu.
Só um pormenor : não é "light motiv", é "leit-motiv", doutora...
Com leit ou light, o artigo da Dra está fantástico!!!
Mais uma vez lhe digo que não sei porque não escreve nos Jornais e Revistas.Não quer voltar a ser jornalista?Aceita-se.Mas porque não escreve???
Caro Miguel,
Neste 10 de Junho, você merecia ser condecorado : Grão-Mestre da Ordem da Bondade...
Agradeço os comentários e a correcção ao erro. Peço que os comentários sejam mais focados na mensagem original, sobretudo se não forem assinados.
Caro anónimo
Já fui a 11 de Outubro de 2009.
Obrigado
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