sexta-feira, 18 de junho de 2010

A morte de Saramago


Ensinam-nos a honrar os mortos.
Talvez isso venha do facto de já cá não estarem para se defenderem. E parece-me bem que assim seja.
Todos somos maiores do que as nossas vidas. Para os não crentes, pelo menos enquanto perduramos na memória ou no coração de quem fica.
Mas alguns de nós, como Saramago, são maiores do que o direito à inexistência do escrutínio da sua vida pública. Por isso me sinto autorizada a falar de José Saramago sem a obrigação estrita de o honrar como homem público.
Para quem não apreciava Saramago, vai sendo um lugar comum dizer que o Nobel teria caído melhor em Cardoso Pires, Agustina ou Lobo Antunes. A agressão ao sagrado dos outros e a pontuação completavam o quadro da antipatia. Mas podemos reconhecer um mérito literário capaz de dobrar o juri do melhor prémio do mundo para a escrita. E, sobretudo, a gratidão que lhe devemos pelo que fez pela nossa Língua no Mundo.
Para quem não apreciava Saramago, era imperdoável aquele àvontade com que criticava o nosso País para lá de Badajoz e a forma como ouviu a Mulher falar de Portugal e dos nossos poderes, sem respeito nem contenção. Mas podemos reconhecer que ali se pressentia uma história de amor, porventura mais bonita do que as que o autor soube ficcionar no papel.
Para quem não apreciava Saramago, ficou sempre aquele amargo de boca sobre o episódio dos despedimentos por delito de opinião, no Diário de Notícias, quando o escritor dirigiu o jornal depois da Revolução. Mas podemos reconhecer que a sua fidelidade ao PCP, até à morte, depois do desencanto soviético, representa uma lealdade à prova de constrangimento para qualquer intelectual reconhecido pela liberdade do verbo e por uma certa inteligência.
Para quem não gostava de Saramago, torna-se difícil honrá-lo depois de morto. Mas inevitável fazê-lo.

4 comentários:

S. disse...

Porque independentemente das oponiões é uma figura incontornável, um escritor que tocou muitos (pelo bom, pelo menos bom e até pelas dores de cabeça que causou a muitos alunos em fim de liceu)e um cidadão que levou o nome de Portugal além fronteiras.

joão wemans disse...

Agora está na Terra da Verdade, onde tudo é revelado.
Dele, só li "O Memorial do Convento", e ouvi uma ou outra entrevista. Nalgumas coisas, concordei com o que dizia. Vi-o pelo Youtube, comover-se, ao lado do exuberante Fernando Meireles. Desejo que nessa emoção esteja a essência do que, aos nossos olhos, foi um homem duro e impiedoso.

miguel vaz serra....... disse...

Apesar do teclado Britanico,nao posso deixar de dizer que gostei muito da homenagem que lhe fez agora mesmo,apesar de eu nunca ter comprado um livro dele,pois nao gostava como escrevia,concordo consigo.Pelo menos fez algum mundo descubrir Portugal para alem da Senhora D.Amalia que devia ter tido varios Nobel.Teve melhor sorte que Ary,pois nunca foi expulso do PCP mas Ary jamais deixaria 24 familias a fome,como passou no tal jornal.Paz a sua alma que bem vai necessitar!

Táxi Pluvioso disse...

Honrar os mortos, sim, claro, a morte é um problema dos vivos.