segunda-feira, 17 de maio de 2010

Por onde anda a antropologia científica? I









Na nossa época gosta-se do epíteto científico. Por isso quem querer ser credível usa e abusa dele, como antigamente (e hoje em dia) se forjam brasões e genealogias. A antropologia não é excepção. E no público medianamente culto a antropologia está associada aos torpores do linguajar estruturalista, cheio de gráficos, esquemas e precisões conceptuais que por vezes temos toda a razão de detestar.

A antropologia em boa verdade pode-se dizer que nasce quando o homem se hominiza. Mas se nos ficarmos por isso estamos a dizer demais, ou seja, quase nada. A antropologia em boa verdade surge quando se descobre a universal diversidade do ser humano. Marco Polo podia ser dado como exemplo, como tantos viajantes, Ibn Batutta por exemplo, ou mesmo Xenofonte ou Heródoto. Mas a antropologia universal surge com a Europa, a primeira criadora de um mundo ecuménico. E mais precisamente com os jesuítas. Desde os ritos chineses até aos índios da América do Sul, o jesuíta mostrou uma capacidade de empatia e aculturação que foi nesse sentido pioneira na história, pela sua profundidade e duração.

Mas eis que a antropologia se quer científica. E o século XIX, romântico como era, não quis deixar de ser científico. E foi-o. Até à ousadia. Para surgir de forma sistemática e organizada era preciso um império universal e meios académicos ricos. Escusado será dizer que teriam de ser os britânicos a começar a antropologia.

O problema é que esta antropologia surge marcada por duas características: estuda os povos primitivos, enquadra-se num projecto de ideologia imperial. Descobre-se entretanto um outro conceito para definir outros primitivos, os que temos mais próximos de nós, os camponeses, os dentro da Europa, mas fora do processo de expansão industrial e eis que se fala em etnologia.

E em França a física social começa a aparecer, chama-se de sociologia, e os povos desenvolvidos ficam incluídos neste processo de científica visão do mundo social. E algo vindo da Alemanha confunde tudo. Os britânicos, muito sensatamente, falavam de Folk-lore. Coisa do povo, tradições, canções do povo. Mas a Alemanha impõe o seu conceito de Kultur, à falta de melhor, mas que para um alemão se distingue claramente de Bildung, que só é destinada a uma elite. O conceito de cultura estende-se irremediavelmente na boca do povo até ficar em permanente esparregata. Esvazia-se de sentido para se poder aplicar a tudo. Tudo é cultura. Inevitavelmente. Até a palavra cultura deixar de ter qualquer significado de prestígio. Como o Monsieur Jourdain fazemos cultura mesmo (e sobretudo) não o querendo. E eis que a antropologia científica se reveste do nome de antropologia cultural, para se distinguir da antropologia física.

A História é sempre bem mais complexa, mas estes dados de base já nos permitem perceber alguma dos limites de nascimento da antropologia: povos primitivos e ideologia imperial.

Não é por caso que nos restantes cem anos a antropologia se revolta contra estes dois conceitos. A revolta é evidentemente edipiana porque a antropologia se sabe filha destes dois pais. E por isso dedica-se cem anos a demonstrar que os primitivos não são primitivos e que a ideologia imperial é um hedionda abominação, que no fundo a sabedoria está nos primitivos, que por sinal não o seriam, mas apenas estuda o “selvagens”, “os povos originários” ou outros conceitos puritanos que decidiu inventar.

Sente-se incomodada com as lides da etnologia, esconde muitas vezes a face à sociologia, mas a verdade é que os dois centros de gravidade mantém-se os mesmos, seja para o afirmar, seja para o negar: a ideia de primitivo, e a ideologia imperial. Sendo filha da ideologia imperial revolta-se contra a mãe, sendo filha da separação do primitivo e civilizado esforça-se por demonstrar ainda mais essa separação, desta feita a favor do primitivo.

É evidente que nos Estados Unidos se passa um fenómeno estranho. Um francês marca a antropologia mais que outros. Mas, como Einstein, idolatrado, influente, mas no fundo marginal, é dos raros que não mostra grande afecto pelos primitivos. Sobre as suas análises de analogias musicais e matemáticas, recorre a um grande matemático, André Weil, para analisar a estruturas do parentesco, e depois esquece o reconhecimento que lhe deve. Falo, é evidente de Lévi-Strauss.

Lévi-Strauss tem na antropologia o destino que Einstein tem na física. Determinante nas ideias e métodos, é de certa forma esquecido sob o ponto de vista filosófico. Lévi-Strauss nunca idolatrou o indígena, mas o antropólogo de segunda linha pega nas suas ideias para o fazer.

É claro que os contributos da antropologia não podem ser negados. Historiadores recorrem aos seus métodos e conceitos e aplicam-nos na História. Mas evidentemente a épocas primitivas das civilizações, seja a grega, a romana, a persa. Nenhum mal há nisso. O problema é que padecem ainda do mesmo mal duplo, o da separação do primitivo e a ideologia imperial (geralmente na forma de negação).

1 comentários:

Anónimo disse...

Devo dizer que não me interessa muito discutir se a antropologia científica anda perto ou longe dos escaparates ou das agendas culturais.

Porque, neste campo, há coisas mais prementes e urgentes, como por ex. a antropologia e a ordem natural e sexual do Homem, confrontando.se com as recentes aberrações aprovadas por lei, e imposta pela minoria que domina os Media, no nosso querido e honrado país, que fariam corar de vergonha um Konrad Lorenz, e sob um hipócrita, vergonhoso e contraditório ´aprovo, sob protesto´ que só poderia espantar quem não se recordar do elogio ao `empreendimento exemplar´ alentejano do Snr. Onassis há alguns anos atrás.

Com os melhs. cpts.,
CCInez