O que é a Europa? II
O paganismo indo-europeu onde se manifesta? Na herança romana e grega, comum a toda a Europa. Mas igualmente na herança celta germânica, eslava. Sem o ciclo arturiano, ou o dos Nibelungos perde-se uma parte fundamental da nossa concepção do que pode ser a literatura. Mas mais importante, perde-se uma parte fundamental do que é e pode ser a vida humana. O que damos por evidente é construído. Como amamos, como nos movemos, a que damos importância, ainda vai buscar a estas fontes.
Os nossos medos, os nossos demónios são diversos dos de outras culturas. Eles são (também) herdados do paganismo. Bem como muitas das nossas soluções. Na Europa existe uma relação com a adversidade cultivada nas elites que é estóica, não budista. Cada povo segrega e aceita o seu tipo de heroísmo próprio. O nosso é o do estóico e do cavaleiro medieval. O tártaro de Tolstoï é sempre dado por contraste, por oposição, como forma de mostrar não que temos de o imitar, mas que nos esquecemos do nosso heroísmo.
É evidente que me podem afirmar que estas figuras estão ultrapassadas. Mas são os mesmos que o dizem que são os primeiros que criticam faltarem estas qualidades a terceiros. Não se compreende metade do discurso da oposição política sem conhecer estes valores. Qual o problema de ser corrupto, o problema de mudar de posição de acordo com os ventos? Se quem afirma que estes valores já não se usam, se não lhes reconhecesse alguma força, não os invocaria.
De Roma herdámos a noção de que são as leis e não os homens que governam. O génio romano foi o de dar instância para julgar onde começa a tirania. Incumprir a lei, onde está o problema? Em todas as culturas o incumprimento da lei é condenado, é verdade. Mas a ideia de que o poder tem todo ele a fonte na lei, para o bem e para o mal, é herança prática romana.
Um visitante grego em Roma definiu as matronas romanas como rainhas. Todas elas eram rainhas. A ideia de república traduz esta de partilha da soberania. A laticlave de púrpura era usada pelos senadores romanos. Todos eles tinham uma parte de púrpura, mas nunca se atreviam a vestir integralmente de púrpura. Por mais absoluto que fosse o poder na Europa, os limites impostos pelos parlamentos a Luís XIV são um bom exemplo dos limites do poder que sempre constituíram a Europa. Não são apenas limites de facto, todos os regimes os tiveram, não são apenas limites de legitimação, todas as culturas os têm. O que é distintivo da Europa é o facto de a própria existência de limites ser constitutiva do poder. Seja com Antígona, seja mais tarde com a sinfonia bizantina.
Mas a força do paganismo não assenta no vazio. É carreada pela imensa maioria dos povos que habitam a Europa, mas é apoderada pelos que não a carreiam em igual dimensão. Os fino-ungáricos, os bascos, o magiares puros, os petchenegues ou foram absorvidos até não ficarem traços étnicos nem língua, ou apenas ficou a língua. E quando restaram os dois a destrinça cultural é ténue. Um basco pode sentir a sua natureza de basco com muita intensidade. A sua língua e os seus costumes. E está no seu direito. Mas desafio alguém a tentar destrinçar um basco de um francês, ou italiano apenas pelo seu modo e pensar ou sentir o mundo.
O substrato sobre o qual agiu a onda indo-europeia não era uniforme. Os povos da Velha Europa, eventualmente os etruscos (língua indo-europeia arcaica segundo alguns, não interessa, para estes efeitos, aprofundar a questão, neste momento apenas especulativa) foram absorvidos. No início do império ainda se reconheciam os etruscos de origem em Mecenas e poucas mais personagens. As marcas que deixaram nas línguas (na toponímia nomeadamente), e eventualmente em alguns valores, estão de tal forma fundidas com a restante cultura que já não pode dela ser destrinçada.
O que seja este contributo dos substratos é meramente conjectural. Seria preciso que conhecêssemos efectivamente as culturas da Velha Europa (como lhe chamam os arqueólogos), e as múltiplas culturas minoritárias desse substrato europeu. As tentativas de encontrar nesse meio traços de matriarcado que se encontrariam ainda em Creta e na Etrúria, uma relação especial com o culto solar e das estrelas são mais hipóteses que teses demonstradas. O período de antecedeu e imediatamente seguiu a queda do império romano mostrou a capacidade criativa da etnogénese, de como povos se fundem noutros, e como rapidamente se chamam a si mesmo godos vândalos que foram por aqueles vencidos. A fusão gera entropia. Será sempre muito difícil extrair a pepita pura do pensamento pré-indo-europeu.
O facto de o contributo deste substrato não poder ser definido nos seus traços gerais não significa que não tenha relevância. É para a Europa a matéria e a energia negra de que falam os cosmólogos. Sabemos que tem peso, mas ao contrário dos últimos não podemos ainda quantificar o seu peso. Apenas podemos verificar que o facto de as restantes componentes da Europa se terem instalado num determinado continente e em mistura com povos anteriores tem um peso. Afinal, os cristãos de Malabar têm marca indo-europeia, são cristãos, mas não são europeus.
A Europa não é etnicamente pura. É verdade. Como nada é. Se um argumento tiver de assentar nestas generalidades deixa de o ser.
Os nossos medos, os nossos demónios são diversos dos de outras culturas. Eles são (também) herdados do paganismo. Bem como muitas das nossas soluções. Na Europa existe uma relação com a adversidade cultivada nas elites que é estóica, não budista. Cada povo segrega e aceita o seu tipo de heroísmo próprio. O nosso é o do estóico e do cavaleiro medieval. O tártaro de Tolstoï é sempre dado por contraste, por oposição, como forma de mostrar não que temos de o imitar, mas que nos esquecemos do nosso heroísmo.
É evidente que me podem afirmar que estas figuras estão ultrapassadas. Mas são os mesmos que o dizem que são os primeiros que criticam faltarem estas qualidades a terceiros. Não se compreende metade do discurso da oposição política sem conhecer estes valores. Qual o problema de ser corrupto, o problema de mudar de posição de acordo com os ventos? Se quem afirma que estes valores já não se usam, se não lhes reconhecesse alguma força, não os invocaria.
De Roma herdámos a noção de que são as leis e não os homens que governam. O génio romano foi o de dar instância para julgar onde começa a tirania. Incumprir a lei, onde está o problema? Em todas as culturas o incumprimento da lei é condenado, é verdade. Mas a ideia de que o poder tem todo ele a fonte na lei, para o bem e para o mal, é herança prática romana.
Um visitante grego em Roma definiu as matronas romanas como rainhas. Todas elas eram rainhas. A ideia de república traduz esta de partilha da soberania. A laticlave de púrpura era usada pelos senadores romanos. Todos eles tinham uma parte de púrpura, mas nunca se atreviam a vestir integralmente de púrpura. Por mais absoluto que fosse o poder na Europa, os limites impostos pelos parlamentos a Luís XIV são um bom exemplo dos limites do poder que sempre constituíram a Europa. Não são apenas limites de facto, todos os regimes os tiveram, não são apenas limites de legitimação, todas as culturas os têm. O que é distintivo da Europa é o facto de a própria existência de limites ser constitutiva do poder. Seja com Antígona, seja mais tarde com a sinfonia bizantina.
Mas a força do paganismo não assenta no vazio. É carreada pela imensa maioria dos povos que habitam a Europa, mas é apoderada pelos que não a carreiam em igual dimensão. Os fino-ungáricos, os bascos, o magiares puros, os petchenegues ou foram absorvidos até não ficarem traços étnicos nem língua, ou apenas ficou a língua. E quando restaram os dois a destrinça cultural é ténue. Um basco pode sentir a sua natureza de basco com muita intensidade. A sua língua e os seus costumes. E está no seu direito. Mas desafio alguém a tentar destrinçar um basco de um francês, ou italiano apenas pelo seu modo e pensar ou sentir o mundo.
O substrato sobre o qual agiu a onda indo-europeia não era uniforme. Os povos da Velha Europa, eventualmente os etruscos (língua indo-europeia arcaica segundo alguns, não interessa, para estes efeitos, aprofundar a questão, neste momento apenas especulativa) foram absorvidos. No início do império ainda se reconheciam os etruscos de origem em Mecenas e poucas mais personagens. As marcas que deixaram nas línguas (na toponímia nomeadamente), e eventualmente em alguns valores, estão de tal forma fundidas com a restante cultura que já não pode dela ser destrinçada.
O que seja este contributo dos substratos é meramente conjectural. Seria preciso que conhecêssemos efectivamente as culturas da Velha Europa (como lhe chamam os arqueólogos), e as múltiplas culturas minoritárias desse substrato europeu. As tentativas de encontrar nesse meio traços de matriarcado que se encontrariam ainda em Creta e na Etrúria, uma relação especial com o culto solar e das estrelas são mais hipóteses que teses demonstradas. O período de antecedeu e imediatamente seguiu a queda do império romano mostrou a capacidade criativa da etnogénese, de como povos se fundem noutros, e como rapidamente se chamam a si mesmo godos vândalos que foram por aqueles vencidos. A fusão gera entropia. Será sempre muito difícil extrair a pepita pura do pensamento pré-indo-europeu.
O facto de o contributo deste substrato não poder ser definido nos seus traços gerais não significa que não tenha relevância. É para a Europa a matéria e a energia negra de que falam os cosmólogos. Sabemos que tem peso, mas ao contrário dos últimos não podemos ainda quantificar o seu peso. Apenas podemos verificar que o facto de as restantes componentes da Europa se terem instalado num determinado continente e em mistura com povos anteriores tem um peso. Afinal, os cristãos de Malabar têm marca indo-europeia, são cristãos, mas não são europeus.
A Europa não é etnicamente pura. É verdade. Como nada é. Se um argumento tiver de assentar nestas generalidades deixa de o ser.
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