segunda-feira, 1 de março de 2010

O que é a Europa? I

As declarações políticas usam a palavra, os tratados da União europeia usam a palavra, o cidadão comum usa a palavra.

É evidente que não temos de ter uma definição científica para cada palavra que usamos. Mas quando pretendemos arvorar legitimidade intelectual no nosso discurso, e dizemos que este e outro país são europeus ou não, temos de ter a certeza de que a nossa sapiência não é filtrada por jornais e revistas.

A Europa é tolerância, democracia, direitos do homem? Não me parece. Por duas razões muito simples: porque não o foi durante pouco tempo, e apenas o foi com interrupções. Dezoito séculos de História europeia seriam metidos no lixo se quiséssemos que fosse este o critério. A Alemanha nazi, a Rússia comunista, ou Portugal salazarista não seriam Europa neste critério. Em segundo lugar, porque é no fundo ou simples ilogismo ou arrogância. Arrogância se isso significar que é o nosso traço distintivo. Nós somos a democracia e tudo à nossa volta são regimes ditatoriais. Ou é ilogismo, porque significa que não criamos nenhum critério de distinção da Europa em relação aos restantes países.

A incapacidade de exprimir sequer um pouco o que seja a Europa mostra além de uma profunda incultura da nossa época, o seu profundo ódio ao pensamento científico. A nossa época é fascinada por tecnologia, simples fetiche. Mas em geral odeia a ciência e o que ela nos obriga a pensar. Porque a ciência implica um fortíssimo conjunto de vinculações. É essa em geral a condição de toda profunda liberdade, e a ciência não é excepção à regra. Não posso partir de uma premissa porque a acho engraçada e deitá-la fora no restante discurso. O pensamento científico reconhece que a perda dessa vinculação é perda de valor. O que de original fez Dirac foi conciliar a mecânica quântica e a teoria da relatividade. Poderia é certo deitar ao lixo estas duas teorias e partir de premissas completamente arbitrárias. Mas isso seria mera birra e não trabalho científico. Incoerência, arbitrariedade, capricho são inimigos da ciência.

Por isso quem fala da Europa tem de saber do que fala. Para isso tem de conhecer a matéria de que trata. Esta não é dada por declaração divina, por iluminação. O que seja a essência da Europa é terreno para discussão fora da ciência. Discussão legítima, mas que não é a que me interessa agora. Guardo a questão para outras núpcias.

Uma construção científica da Europa implica a construção de um modelo que represente as suas maiores inércias. A inércia não significa que seja impossível mudança. Significa que se encontrou o centro das forças da Europa, o seu núcleo mais resistente e fundamental. É essa a perspectiva sobre a qual se tem de delimitar o que seja Europa ou não.

Percorrendo o campo de estudo chamado Europa encontro quatro elementos que definem a Europa:
a) O paganismo indo-europeu;
b) Assente sobre povos autóctones da Europa;
c) O cristianismo;
d) O mito da queda do Império Romano.

Nenhum país é europeu se não tiver estas quatro características. Poderá ser democrático, poderá ser limítrofe. Poderá ser simpático, estratégico, importante. Mas não é europeu.

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