Limites do Controlo de Jim Jarmush
É um filme abstracto em que a metáfora sobre o real permanece ela mesma num plano abstracto. Uma espécie de teoria, um filme branco, em que as personagens têm uma caracterização baseada num factor de identificação e não numa representação de uma alma: loura, guitarra, moléculas, mexicano, etc.
Os planos estão muitas vezes estabelecidos e são as personagens que entram neles enquadrando-se nas suas marcações: como se as personagens fatalmente tivessem os movimentos pré-determinados por uma realidade aprisionante.
Um criminoso profissional (Isaach Bankolé) tem de matar o poder. O poder, representado por Bill Murray, está solidamente protegido numa casa inexpugnável cheia de sistemas de segurança e guardas no meio do deserto andaluz.
A missão do profissional é-lhe confiada por personagens sinistras que falam por metáforas num aeroporto: “O universo não tem arestas. Use as suas capacidades e a sua imaginação.”
De terra em terra segundo indicações que lhe chegam por personagens que se aproximam dele e com ele trocam senhas, frases feitas, e caixas de fósforos dentro das quais um papel com uma cifra é metodicamente engolido pelo criminoso depois de lido. De paragem em paragem a cena repete-se como um ritual até chegar ao objectivo final. Cada testemunho-pista é-lhe comunicado com conselhos que o profissional não atende, não deve atender, para não se distrair e não divergir do seu objectivo. Estóico, ou obstinado, nada o distrai, nada o demove da sua finalidade. Diz-lhe a nudez que não lhe arranca um comentário ao seu rabo:
— No sex, no drugs, how can you stand it?
A tese ao longo do filme que vai sendo explicada ao criminoso profissional é a de que as moléculas que estruturam a realidade vão procurando novos arranjos que alteram essa mesma realidade e que a fonte que provoca essa alteração é a imaginação, outras personagens dizem-lhe que “aqueles que se julgam superiores aos outros, devem ir ao cemitério” ou que “la vida no vale nada”.
Concentradamente, o criminoso estuda a entrada na mansão e, inesperadamente aparece já lá dentro. Dentro da mansão inexpugnável superando misteriosamente os sofisticados sistemas de segurança e as suas redundâncias:
—How did you get in here?- pergunta Bill Murray, o poder.
— I used my imagination.
O poder surge como um poder abstracto. Bill Murray chefia uma organização que não é um governo, uma polícia, nem nada de concreto: é um poder em si mesmo, o poder da realidade tal como é entendida, tal como é conformadamente vivida, um status quo que é um poder total e avassalador por ser o quadro mental em que o mundo está organizado e porque a sua existência é, por si mesma, uma forma de pressão sobre os indivíduos quase intransponível. A única forma de a aniquilar é pelo uso da imaginação, a imaginação que promove novos re-arranjos sobre a matéria existente e que desse modo promoveria a extrapolação dos limites do poder.
Aqui Jim Jarmush não vai além de um cientismo banal que vê o mundo como uma combinação de forças de atracção e repulsão que geram diferentes formas de organização mas sempre dentro da mesma noção de limite que pretende extrapolar. Ilusões de um desejo de mudança motivado por uma indolente insatisfação e um tédio sem esperança. Uma imaginação sem asas.
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