A morte em directo...
Tem-se falado muito de um avião da Air France que caiu algures no oceano Atlântico com 228 pessoas a bordo. Não sei se é só impressão minha, mas sinto na experiência pública desta notícia algo diferente relativamente a muitas outras que, de vez em quando, lá surgem, sobre quedas de aviões e as consequentes mortes de quem lá ia.
Para além da tragédia da morte aparentemente despropositada de um grupo grande e heterogéneo de pessoas, bem como do medo instintivo que tolhe, pelo menos no meu caso, aquele que se imagina preso a um corpo em acelerada, prolongada e desesperada queda livre, há aqui algo que me parece ser diferente, nomeadamente a absoluta estranheza da morte, que, enquanto tal (isto é, absoluta e estranha), tão arredada anda das consciências.
Com efeito, não há aqui reportagens em directo, tentativas de salvamento, companhias de seguros… na verdade, há apenas nada! Somente a perplexidade de um avião que, pura e simplesmente, desapareceu na vastidão de um oceano. Não se sabe onde caiu, nem quando caiu, ou porque caiu... A nossa crença numa eficácia objectiva de um controle tecnológico extensível, desde o espaço, a toda a terra, foi desfeita.
Há um vazio que, de repente, se nos impõe. E é isto, talvez, esta inexplicabilidade desta morte, a ausência de qualquer contacto com ela, que a torna mais silenciosa, mais funda e, estranha e intimamente, mais nossa. Há uma calma que paira sobre todos os esforços de reconhecimento do local, uma certa aceitação da tragédia, tão atípica nas coberturas dos telejornais.
Foi isso que ressaltou em mim nas serenas mas comovidas palavras de Lula da Silva, presidente operário do Brasil e representante político da esquerda brasileira, quando disse, ainda ontem, qualquer coisa como isto: «É uma tristeza, uma dor imensa. Mas nada mais podemos fazer, a não ser rezar pelas famílias dos que morreram e pedir a Deus que uma tragédia destas não volte a acontecer.»
4 comentários:
O governo francês instalou as famílias num hotel de modo a isolá-las dos meios de comunicação social. Ontem foram descobertos os primeiros destroços do avião. Esperemos que a serenidade permaneça e haja dignidade na notícia. No entretanto, faremos o que Lula da Silva nos pede: rezemos pelos mortos e pelas suas famílias.
Caro «esterilização obrigatória». Apesar do nome verdadeiramente assustador fui ver a entrevista e o site que me recomendou e devo dizer-lhe que achei absolutamente fantástico. Agradeço a sugestão e recomendo vivamente a leitura. Obrigado.
Redonda. Obrigado pelo comentário. Infelizmente, ao que me parece, e sobretudo neste caso, que é sobre a morte, só haverá dignidade enquanto não houver notícia! Assim que houver "notícia" (quem, quando, o quê, onde, como e porquê) deixará de ser sobre a morte, passando a ser sobre outra coisa qualquer. Se essa outra coisa qualquer vier disfarçada de notícia sobre a morte, perder-se-á então a dignidade. Porque sobre a morte há que calar. E calar fundo.
Os destroços, infelizmente, lervar-nos-ão de novo ao ruído próprio da superfície, às lógicas das audiências, às curiosidades mórbidas, à exploração dos outros e ao esquecimento do que é importante na vida. Tudo em nome do sagrado dever de informar. Sobre a morte, porém, que temos nós para dizer?
Por vezes o dever de informar confunde-se com o dever, definido pela necessidade de aumentar audiências, de alimentar a curiosidade mórbida dos espectadores. E o último nada tem de sagrado. É pura lógica de mercado. Comercializar o sofrimento alheio... não é bonito.
O problema é que os media são cada vez mais orientados por esta lógica de mercado, invocando como critério legitimador do sagrado dever de informar. Nós sabemos que não são o mesmo. Mas quantos de nós estarão interessados nisso?
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