II. Simpatia e cultura
Mas a tese da simpatia tem outro vício maior que o da incompletude. É o da demagogia, quando se transforma em imperativo. A simpatia é sempre mais fácil de defender retoricamente. Se eu digo que simpatizo com um povo, é mais natural que ele me agradeça, concorde comigo e me diga que o compreendi profundamente. Os que não pertencem a esse povo não me podem atacar pelos meus maus fígados e portanto toda a discussão se passa em meu favor. Passo por simpático, em suma, e pessoas simpáticas nunca podem ser atacadas numa discussão superficial.
Condição de êxito da simpatia pura é por isso sempre a superficialidade intelectual e espiritual.
O problema é que esta superficialidade só obtém emoções fortes, não com o aprofundamento, mas com a intensificação. Cada vez se tem de aumentar o encómio até que se chega ao ridículo da idolatria.
A nossa época é useira e vezeira nisto. O elogio arrasta-se pelas vielas do exagero. As culturas chinesa, turca, árabe, bororó, hinuíta são profundas, ricas, extraordinárias, únicas, essenciais, inultrapassáveis, devemos-lhes tudo. E como tudo é tão extraordinário, e devemos tudo a tantos, senão a todos ou quase, ficamos sem saber a quem pagar dívidas. A ideia talvez seja essa, a de não termos de pagar dívida nenhuma. A de não nos obrigarmos igualmente pelo discurso.
Se eu disser que uma cultura que desconheço é maravilhosa, ninguém me sindica. Fica bem, não significa nada, é apenas um flatus uocis. Se o digo é apenas porque quero ocupar espaço pelo meu discurso, quero marcar a minha presença. Não profiro afirmações com sentido, pela pura e simples razão que não estudei nada sobre o tema de que falo.
Por isso uma visão equilibrada da simpatia como componente da compreensão leva-nos a uma visão matizada do seu papel. Há casos em que é importante, outros em que não tem papel nenhum. E há sobretudo casos na prática comum em que é apenas uma forma de evitar a responsabilidade e a sindicância, de seguir o caminho mais fácil... e de ocupar lugar.
Alexandre Brandão da Veiga
Condição de êxito da simpatia pura é por isso sempre a superficialidade intelectual e espiritual.
O problema é que esta superficialidade só obtém emoções fortes, não com o aprofundamento, mas com a intensificação. Cada vez se tem de aumentar o encómio até que se chega ao ridículo da idolatria.
A nossa época é useira e vezeira nisto. O elogio arrasta-se pelas vielas do exagero. As culturas chinesa, turca, árabe, bororó, hinuíta são profundas, ricas, extraordinárias, únicas, essenciais, inultrapassáveis, devemos-lhes tudo. E como tudo é tão extraordinário, e devemos tudo a tantos, senão a todos ou quase, ficamos sem saber a quem pagar dívidas. A ideia talvez seja essa, a de não termos de pagar dívida nenhuma. A de não nos obrigarmos igualmente pelo discurso.
Se eu disser que uma cultura que desconheço é maravilhosa, ninguém me sindica. Fica bem, não significa nada, é apenas um flatus uocis. Se o digo é apenas porque quero ocupar espaço pelo meu discurso, quero marcar a minha presença. Não profiro afirmações com sentido, pela pura e simples razão que não estudei nada sobre o tema de que falo.
Por isso uma visão equilibrada da simpatia como componente da compreensão leva-nos a uma visão matizada do seu papel. Há casos em que é importante, outros em que não tem papel nenhum. E há sobretudo casos na prática comum em que é apenas uma forma de evitar a responsabilidade e a sindicância, de seguir o caminho mais fácil... e de ocupar lugar.
Alexandre Brandão da Veiga
2 comentários:
Bem observado.
Simpáticamente obrigado,
João Wemans
Lindu... Descartes não o teria posto melhor.
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