sábado, 9 de maio de 2009

Caderno de Encargos

E se a culpa não fosse do arquitecto? Se o arquitecto até fosse bom, mas a culpa fosse do resto? Por exemplo, do caderno de encargos. Se o caderno foi, olhe faça aí uma coisa bonita no seu computador para ver o que dá, então pode ser que arquitecto tenha feito o seu melhor. Mas esse caderno estaria errado.
Em primeiro lugar, o projecto deveria incluir o parecer de um arquitecto paisagista (bem, espero que não tenha incluído...). Num espaço tão grande, ele é necessário. Os arquitectos (tout court) não têm de perceber de bancos de jardim (aliás fazem-nos quase sempre sem costas), nem de ventos, nem de sol, de árvores ou de protecções. Depois, deveria ter o parecer de alguém que tivesse estudado a circulção e o uso que as pessoas fazem ou querem fazer da praça. Os arquitectos se calhar têm de perceber de circulação, mas não necessariamente em espaços tão grandes. O autor do projecto propõe uma placa que acaba com um metro de altura - para as crianças poderem cair. Não sei, fica a dúvida de tudo isto.
Onde não fica a dúvida é que o caderno deveria ter obrigado a uma consulta histórica. O que é que o Terreiro do Paço tem que ver com uma carta portuguesa do século XVI? É isso que é ser moderno? Quando começou a ser feito, já "só tínhamos" o Brasil e, quando foi acabado, com o arco, nos anos 1850, não tínhamos império nenhum que se visse (África só viria mais tarde). Qual a lógica? Como Rui Tavares especulou mais abaixo, Pombal teria inclusivamente projectado a plantação de amoreiras, como símbolo industrial. Pombal e D. José são o símbolo do recentramento português, o início da longa mas feliz fase de perda dos impérios. Pombal foi o ministro que se vendeu como defensor da economia nacional (não que eu goste particularmente disso), coisa que de facto aconteceu no século seguinte, no século em que a praça ficou finalmente pronta.
Em suma, obriguem este arquitecto a consultar um arquitecto paisagista, alguém que conheça os percursos e as vontades das pessoas que por lá passam e, para não fazer grandes erros de referência, alguém que saiba que aquilo esteve pronto apenas em meados do século XIX e que nada tem que ver com impérios.
Caso contrário, ficamos com algo para as gaivotas verem do ar - sim, num vídeo que se pode ver no "Expresso", uma das vantagens do desenho é que fica muito bonito visto do ar.
PS: depois de ter escrito isto, vi que há mais gente a pensar de modo semelhante. Ver aqui.

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