quando eu era pequenino
Rezei muitas avé-marias. Ainda me lembro:
Avé Maria cheia de graça,
o Senhor é convosco,
bendita sois Vós entre as mulheres
e bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus.
Avé Maria cheia de graça,
o Senhor é convosco,
bendita sois Vós entre as mulheres
e bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus.
Santa Maria, Mãe de Deus,
rogai por nós, pecadores,
agora e na hora da nossa morte.
Amen.
rogai por nós, pecadores,
agora e na hora da nossa morte.
Amen.
É uma das mais bonitas orações cristãs. É tão gentil. Sem querer ofender ninguém, é mesmo um bocadinho sensual. E é, se bem entendo, feminista avant la lettre. Ou estarei enganado?
12 comentários:
Meu caro Manuel, como poderia alguém rezando, ofender?
Esta é, de facto, uma oração bem bonita (julgo que manufacturada por São Tomás a partir dos textos do evangelho), a qual tem uma formulação tão simples que chegamos a julgar compreendê-la.
Só não concordo quando diz que ela lhe parece um bocadinho sensual. Não lhe conhecia, aliás, esta prudência. Pois a mim parece-me antes inteiramente sexual, no sentido integral e imenso com que ao dizer "dominus tecum" expressa essa intimidade absoluta com que Maria misteriosamente se uniu com Deus. Dessa união, aliás, resultou um óbvio e carnal "fructus in ventris suis", o qual, sendo humano, como nós, era também "benedictus", como Deus.
É esta íntima união com Deus, de que só são capazes, quando rezam, os pequeninos, que poderá salvar-nos, "pecatoribus, nunc et in hora mortis nostrae". Rezemos, portanto, Manuel, com a inocência dos pequeninos, que neste mundo em que, nascendo, se encontram, vêem a beleza em tudo aquilo que foi e é criado por Deus.
É verdade o que ambos dizem.
Tenham paciência mas não resisto a colocar aqui
a versão comovedora que o nosso Pessoa, quando tinha 14 anos, ofereceu a sua Mãe:
AVE-MARIA
À minha Mãe
Ave-Maria, tão pura,
Virgem nunca maculada,
Ouvi a prece tirada
No meu peito de margura!
Vós que sois cheia de graça,
Escutai minha oração,
Conduzi-me pela mão
Por esta vida que passa!
O Senhor, que é vosso filho,
Que seja sempre connosco,
Assim como é convosco,
Eternamente o seu brilho!
Bendita sois vós, Maria,
Entre as mulheres da terra;
A vossa alma só encerra
Doce imagem de alegria!
Mais radiante do que a luz
E bendito, oh Santa mãe,
É o fruto que provém
Do vosso ventre, Jesus!
Gloriosa Santa Maria,
Vós que sois a Mãe de Deus
E que morais lá nos céus,
Velai por mim cada dia.
Rogai por nós, pecadores,
Ao vosso filho, Jesus,
Que por nós morreu na cruz
E que sofreu tantas dores!
Orai, agora, oh Mãe qu’rida
E (quando quiser a sorte)
Na hora da nossa morte,
Quando nos fugir a vida!
Ave-Maria, tão pura,
Virgem nunca maculada,
Ouvi a prece tirada
No meu peio de amargura.
7. 04. 1902
Ainda me lembr da polémica acerca do filme com o Abecassis a mandar encerrar salas de cinema em Lisboa...
Não consta é que esse tal filmeco do Snr. Godard - não pondo em causa o talento artístico deste Snr.- tenha sido propriamente um Avè e uma saudação à Nossa querida Mãe Soberana (título algarvio) do Céu. Se, em nome da, ou do abuso da, liberdade de expressão, alguém escrevesse um livro ou fizesse um filme a insultar e a denegrir a mãe (ou as crenças) do Snr. Godard, tb. não creio que este Snr. ficasse lá muito satisfeito.
Com os melhores cumpts.,
CCInez
Apetece mesmo iludir-me com a ideia de que estou de acordo com o Gonçalo e de que tivesse conseguido exprimir esse acordo com a classe que o Jorge Wemans inventou. Há, no que dizem, uma bondade calma a que gostaria de pertencer.
Já não me apetece nada - e peço as mais educadas desculpas - estar a dividir a meias o ressentimento do djduck e do CCInez.
Ó caraças! Já rezam. A crise está mesmo má... bom... espero que não seja de joelhos. E Manel podes ir directamente à fonte ou comprar online.
Táxi, aproveitando a sua boleia - e não querendo, de modo nenhum, qualquer polémica (hoje não é dia em que aguente fazê-lo), lembro apenas que a prece é, antes de tudo, o que há-de mais próprio nos seres precários. Um dos males do nosso mundo é julgarmos que a precariedade é, fundamentalmente, económica e, como tal, pode vencer-se. Não! A precariedade é ontológica, faz parte de nós, meros mortais, e assim que o reconheçamos - no interior da nossa carne, e não dentro da carteira - entraremos certamente em prece. Por iasso dizia acima que para rezar é preciso ser inocente e frágil, como o são os pequeninos.
Um abraço
Gonçalo
João Wemans, imperdoável, troquei -lhe, por um erro de simpatia, o seu primeiro nome no meu comentário acima. Foi sem intenção e espero que não me leve a mal.
Caro Gonçalo,
que bonito! Essa resposta(?), junto com a oração anotada que a originou, orbitada pelo poema jovem de Pessoa, e o retorno doce e sem ilusão, é, penso, uma coreografia.
Claro que não - fica em família; e o meu primo Jorge é pessoa de bem.
Talvez, um dia, possamos falar cara-a-cara.
Até lá, aceite estas trocas de "papelinhos" como penhor da minha estima.
João W.
Aqui vos deixo Pe. António Vieira:
Sermão do Nascimento da Mãe de Deus do Padre António Vieira (excerto)
"Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o Nascimento de Maria? Vede o para que nasceu.
Nasceu para que d’Ela nascesse Deus. (...) Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo; perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação; perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz; os discordes, para Senhora da Paz; os desencaminhados, para Senhora da Guia; os cativos, para Senhora do Livramento; os cercados, para Senhora da Vitória. Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho; os navegantes, para Senhora da Boa Viagem; os temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso; os desconfiados da vida, para Senhora da Boa Morte; os pecadores todos, para Senhora da Graça; e todos os seus devotos, para Senhora da Glória.
E se todas estas vozes se unirem em uma só voz, dirão que nasce para ser Maria e Mãe de Jesus"
Desconhecendo o blogue e respectivos autores (à excepção talvez do Carlos Jalali), corro o risco da falta de oportunidade no comentário. Nestes tempos em que a religião significa atraso e falar do religioso implica um anátema de atrasado, dá gosto ver o desassombro com que se posta e comenta uma oração. E que não há insultos, como, muito sinceramente, esperei encontrar. Isto pode parecer pouco, mas penso que é a atitude contrária que leva ao perigoso ridículo das desculpas pelos cartoons de Maomé.
Nuno Alves de Oliveira
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