segunda-feira, 27 de abril de 2009

Humanidade e inclusão social


Há oitocentos anos um português, um lisboeta, notabilizou-se pela sua acção, preocupação e dedicação aos outros. Esse homem, Santo António, padroeiro de Lisboa é, simultaneamente, padroeiro dos pobres. Lisboa tem essa marca impressa na sua história e na sua cultura. A humanidade não pode ser substantivo só usado em certas alturas do ano e, muito menos, como arma de arremesso político.

A humanidade, ao invés, tem de ser sempre a raiz fundadora de qualquer acção política.A humanidade resulta da consideração da alteridade. Olhar o outro como um sujeito na sua plenitude de direitos e deveres. Não olhar o outro como objecto de uma mera acção de caridade. Ver o outro como sujeito e nunca como objecto, é o fundamento da humanidade.

Oitocentos anos depois, Lisboa ainda persiste uma cidade murada, sitiada e cercada, já não pela cerca do castelo, mas pelas modernas vias, eixos, circulares e pontes. Por um lado, rodeiam a cidade sucessivos níveis de periferias, justapostas no tempo, que afastam os cidadãos da sua cidade. Estes estão cada vez mais longe, com custos cada vez mais elevados e generalizados de tempo, dinheiro e de vida. Em suma, uma escala que é desumana.

Por outro lado, mas ao mesmo tempo, Lisboa é hoje, como há oitocentos anos, centro de atracção daqueles que vindos de fora procuram nela uma vida melhor. Muitos não conseguem encontrar respostas para o que buscam. José Luís Peixoto escreveu há pouco tempo, palavras para Lisboa que os The Weasel fizeram música “(…) a realidade não foge. A realidade está sentada, espera toda a noite por nada, ou encosta-se a uma parede, talvez com fome, talvez com sede, fuma um cigarro infinito e distingue na escuridão um grito, dentro de si própria(…).”

Que pode o poder local fazer? Pode pensar melhor, articular melhor, racionalizar mais, usar mais e melhor os meios e os instrumentos sociais, políticos, económicos, jurídicos, já existentes. Mas pode, muito mais decisivamente, fazer pontes, encarar as questões numa perspectiva mais transversal e multidisciplinar. Fomentar a partilha de recursos escassos entre o poder central e o poder local, potenciando a utilização de recursos humanos e materiais.

Deve incrementar a participação de privados, incentivar a que participem na construção da comunidade a que pertencem.

Pode olhar para o urbanismo como factor decisivo de promoção da inclusão social, adoptando as medidas adequadas para que o parque habitacional existente não sirva para excluir, mas ao contrário, como instrumento de inclusão. Instrumento e políticas sujeitos a regras claras e justas. Pode convocar a sociedade civil a participar, incentivar as entidades privadas a colaborar com o projecto da sua comunidade, num sentido de responsabilidade colectiva, motivadas pelo necessário compromisso social.

Pode reorganizar administrativamente o município, repensar o tamanho, modelo e organização das Freguesias, torná-las muito mais próximas dos munícipes, mais atentas, operantes e eficazes. Dotá-las dos meios para que possam colaborar na educação, na cultura, na prática desportiva, verdadeiros factores determinantes da inclusão social.

Pode aplaudir e incentivar o papel das associações públicas e privadas que, sem fins lucrativos, desempenham há muito um papel fundamental no apoio aos mais desfavorecidos e carenciados, com acções diárias e concretas, a operar no terreno há muito tempo.

Se, como dizia o escritor, a realidade em Lisboa está sentada, vamos levantá-la.

Queremos uma Lisboa com gente e vida dentro.

14 comentários:

Diogo disse...

E sobre o 25A e a canonização de D. Nuno Álvares Pereira nem um comentáriozinho? Temas sem relevância provavelmente para a geração de 60!

Anónimo disse...

Aplaudo do princípio ao fim. Ora aqui estão umas dezenas de medidas inteligentes para acabar com a pobreza em Lisboa e trazer humanidade à cidade. Primeira: demolir as modernas vias, eixos circulares e pontes - para libertar a cidade dessas muralhas intransponíveis. Segunda medida: trazer os habirantes do Cacém, da Amadora, de Loures para o centro da cidade - a fim de ficarmos todos mais aconchegadinhos e solidários.Terceira medida: cuidar do património - sobretudo o de Lisboa, que anda está em risco de ruína. basta ver os jerómimos, a Sé de Lisboa e o Creisto-Rei. Quarta medida: fazer pontes. (Esta dr.ª Sofia é que eu não percebi... Então não é para deitá-las abaixo?) Quinta medida: tornar as freguesias mais próximas dos cidadãos (Esta também não estou a ver... Vamos todos morar para a Junta da Freguesia - ou o mais perto possível dela). Sexta medida: vamos levantar Lisboa. O marquês de Pombal já o fez e, pelos vistos, a coisa não deu grande resultado.

dorean paxorales disse...

ahem.
o padroeiro de lisboa é são vicente.

Anónimo disse...

dorean: boa bola. Eruditamente talvez seja, mas a dra. Sófia é empírica, e como as festas são no dia do sto. António...
Chamem o policarpo para desambiguar.
Se ele ler blogs, isto é.

Sofia Rocha disse...

Não invejo a sorte
De um anónimo cavalheiro
Zurzir torpe
Feito caceteiro,
Seja qual for o tema.

Santo António,
Pobre e falso padroeiro
Perdoe-lhe,
Que é digno de pena!

Anónimo disse...

Ó dr.ª Sofia, vamos lá ver se nos entendemos. Chama-me, no seu poema, 'torpe', 'caceteiro', 'digno de pena'. Julga que me atinge e ofende com isso. Está enganada. Ignoro os predicados que me atribui - porque já percebi que você, por muito que se esforce, é incapaz de ir além da resposta primária.

Redonda disse...

Para o Diogo: vá aos textos do dia 1 de Abril (não é mentira) e aí verá que, obviamente, a vida de São Nuno de Santa Maria é um tema de relevância não só para a geração de 60 mas para todos os portugueses, do passado, do presente e do futuro.

Ricardo Alves Gomes disse...

Santo António foi cooptado popularmente como "Padroeiro".
Mas o verdadeiro Padroeiro de Lisboa é S.Vicente. Olhe para o Brasão da Cidade e perceberá porquê.
É claro que esta observação nada retira ao post, também ele na senda da popularidade...

Anónimo I disse...

"cooptar" é verbo bué erudito. Chamei o policarpo mas ele não seria capaz de melhor.

Anónimo disse...

policarpo: s.m. do latim: " com muitas espinhas"

dorean paxorales disse...

"policarpo" tem origem no grego.

Anónimo disse...

Têm ambos razão - ou, melhor, nenhum dos dois tem razão. Consultei duas velhas sebentas, a do prof. Manuel Antunes e a da profª Maria Helena da Rocha Pereira. Aqui vai: o vocábulo poli é de origem grega, mas o vocábulo carpo é de origem latina. Assim, a palavra que resultou dos dois vocábulos só pode ter tido origem latina.

Martim Bernardo disse...

e alguma das duas (ou 3) alimárias etimologistas se dignaria elucidar-nos sobre o significado de "carpo" para ficarmos todos a saber o que o bispo colecciona?

Gonçalo Pistacchini Moita disse...

Existindo entre as alimárias e os filólogos, decidi ir ao dicionário, que sobre este assunto assim reza: "Policarpo" é uma palavra que procede do grego (polykarpos), querendo dizer, literalmente, aquele que tem ou dá muitos (poly) frutos e flores, mais exactamente carpelos (karpós), isto é: folhas florais, férteis e produtoras de óvulos. Convenhamos que é nome que fica muito bem ao nosso cardeal patriarca.