Da Visão: Bater no fundo.
Que o inquérito a Mesquita Machado tenha sido arquivado. Que Avelino Ferreira Torres tenha sido absolvido. Que o «caso do envelope», um dos vários capítulos da saga «Apito Dourado», tenha dado em nada. Que a reforma penal que entrou em vigor em 2007 tenha evitado que Fátima Felgueiras fosse parar à cadeia. Que todos estes autarcas se recandidatem. Que o caso Freeport corra o risco de prescrever. Que o escândalo da Casa Pia se arraste há anos sem conclusão. Tudo isto, temos obrigação de respeitar. Em nome da presunção da inocência de todos os envolvidos, em nome de uma cada vez mais difícil mas imprescindível confiança no funcionamento da justiça, em nome do respeito por um Estado de Direito sem o qual não há Democracia que sobreviva, em nome da resistência a uma deriva justicialista que ofenderia qualquer cidadão com bom senso.
Dito isto, existirá algum princípio que nos obrigue a tolerar que alguém, condenado por corrupção há poucos meses, tenha sequer sido «pensado», quanto mais escolhido por unanimidade por representantes de partidos políticos, para a presidência de uma empresa municipal? Será demagógico defender que estamos a chegar ao grau zero do pudor em política? Será possível calar a indignação que este indecoroso episódio suscita? Será que o facto do Sr. Névoa, muito por mérito das pressões do Bloco de Esquerda, ter arrepiado caminho (apesar de não descobrir nenhum «impedimento moral» para assumir o cargo) repara o irreparável?
Estamos a brincar com o fogo. Há tempo demais. Há muito que os agentes políticos perderam todo o seu prestígio. Há muito que as sondagens de opinião «castigam», quase sem excepção, todos os órgãos de soberania. Há muito que os portugueses perceberam que a justiça é – «to say the least» – intoleravelmente lenta. Mas sucede que, bem ou mal, e apesar desta lenta degradação institucional, o país lá foi progredindo em termos económicos, ao longo dos últimos trinta anos. A custo, mais devagar do que devíamos, lá fomos saindo do terceiro-mundismo para que nos relegara a outra senhora. À boleia da Europa, dos fundos comunitários, do crédito barato, mas lá fomos melhorando a vidinha enquanto nos dávamos ao luxo de nos desinteressar dos destinos da República.
Acontece que, hoje bem o sabemos, tudo isso acabou. Ou na melhor das hipóteses, tudo isso terá acabado durante os tempos mais próximos. E a questão que agora dramaticamente se coloca é a de saber para onde se virarão os portugueses, perdida que estava já a confiança nas principais instituições da república, agravados que estão hoje os dramas sociais e as tensões económicas, quando perderem toda a esperança na redenção de um regime que teima em dar-lhes provas do seu apodrecimento. A história já nos ensinou que é destes caldos que nascem as convulsões e as revoluções. É destes pântanos que emergem todos os líderes messiânicos e todos os populismos. É nestes ambientes que se perde a noção da importância dos valores democráticos e liberais. E apesar de todas as lições da história, o país prossegue na sua deriva suicida.
Sou eu que acordei com mau feitio ou estamos mesmo sentados num barril de pólvora?
5 comentários:
Pedro:
Mais uma vez um excelente artigo. Deixando de parte aquela nossa divergência original e insanável (liberalismo x social-democracia), relativamente à qual espero ainda vir a convencer-te, aqui deixo a resposta possível às tuas perguntas finais:
1. Francamente - e espero que não me leves a mal: graças a Deus -, não faço a mínima ideia com que feitio acordaste hoje.
2. Quanto ao facto de estarmos ou não sentados em cima de um barril de pólvora, posso apenas dizer que: a) no nosso caso, provavelmente não explodirá, por falta, quanto mais não seja, de fósforos; e b) com barril ou sem barril, nós não estamos sentados, mas, como dizia (penso eu) o Eça, cada vez mais de cócoras.
Portugal não está a bater no fundo:
----- > Isto é o fundo.
----- > Aqui está Portugal.
E o Dr. João Soares no frente a frente na SIC Notícias veio em defesa do Sr. Domingos Névoa, não percebendo a razão pela qual o dito senhor não podia exercer as funções para as quais tinha sido nomeado, até porque o ia fazer graciosamente.
Pedro, a questão é que em Portugal, até a pólvora está podre por isso não rebenta,apenas "fede".
Estamos a bater no fundo sim. Pudor é um conceito que há muito caíu em desuso.
Mas como é que se pode bater no fundo, se nao ha fundo ? alias fundos houve, os perdidos, que engordaram as contas da rapaziada que entre uns lugares no governo com transferencia para empresas publicas e privadas a quem atribuiram uns contratos. E nisto PS,PSD e a sua bengala CDS tem sido como dizia o anuncio "todos diferentes todos iguais"
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