quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Da Visão: Um elogio da tolerância

Vale a pena abordar a questão do casamento dos homossexuais sob três diferentes pontos de vista. O da oportunidade de tal debate, o da forma em que este decorrerá e, obviamente o mais importante, o da sua substância.
1 – Do primeiro ponto de vista, há que chamar os bois pelos nomes. Ao incluir a questão do casamento homossexual na moção que apresentará ao próximo congresso do PS, José Sócrates, longe de revelar um agudo sentido de oportunidade, revela um tremendo instinto de oportunismo. O que está verdadeiramente em causa não é a substância do problema. É o «jeito» que dá discuti-lo. Com o país e o Mundo mergulhados numa crise económica profunda, com um PS muito mais ameaçado à sua esquerda do que à sua direita (seja porque à direita não há lideranças, seja porque o ambiente macroeconómico em que vivemos tende a favorecer o discurso da esquerda), o que melhor pode acontecer ao PS do que liderar uma causa «fracturante» que esvazie o espaço do Bloco e que distraia o país dos problemas mais prementes que atravessa? No plano da pura táctica política há que dar a César o que é de César: «chapeau».
2 – Vamos à forma. Dificilmente este debate sobre uma questão que, na sua essência, é uma questão de tolerância não se fará sob o signo da intolerância. Mais paradoxal ainda, e esta não é senão uma suposição minha, a intolerância será mais marcada «à esquerda» do que propriamente «à direita». Talvez porque os defensores do «não» tenham já interiorizado algumas lições do passado, mas sobretudo porque os tempos são hoje os da estigmatização mediática do «politicamente incorrecto». O «ar dos tempos» não permitirá nunca um debate equilibrado. Quer queiramos quer não, nasce inquinado. Ainda antes de se começarem a esgrimir argumentos, em campo estarão, de um lado, os progressistas, do outro, os homofóbicos ou reaccionários. Ora um debate que se queira sério tem de ser baseado na discussão da substância e não na rotulagem dos protagonistas. A táctica é conhecida mas é anti-democrática e profundamente iliberal. E o facto de se ter tornado aceitável é um preocupante sinal dos tempos.
3 – Dito isto, devo dizer que, em matéria substantiva, apoio sem reservas o direito ao casamento dos homossexuais. Digo bem: ao casamento. Não estou a falar de uma equiparação de direitos de uma qualquer união de facto, mas do direito ao casamento propriamente dito. Porque, no fim do dia, o que estará verdadeiramente em discussão é uma luta simbólica. De um lado, estarão todos quantos, estando inclusivamente dispostos a conceder uma equiparação de direitos, recusam aquilo que – com toda a legitimidade – vêem como uma ameaça para uma instituição que acreditam dever servir os valores da família e da reprodução. Do outro, os que reivindicam que o Estado tem a obrigação de dar à sociedade um sinal político, sem qualquer ambiguidade, de que repele toda a discriminação com base na orientação sexual. Num país em que, mal grado o que acima ficou dito acerca do ambiente «politicamente correcto» em que o debate se fará nos media, a plena integração social da homossexualidade continua a ser uma miragem, estou ao lado dos segundos. Mas sei bem que estaremos a pedir aos primeiros uma violentação das suas consciências. Quanto mais não seja por isso, os seus argumentos merecem o meu total respeito.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Pedro Norton,

Ao abordar a questão do ponto de vista da substância defende, sem reservas, o direito aocasamento dos homossexuais. Defende esta tese sem referir o que entende por casamento e alicerça a sua opinião na “plena integração social da homossexualidade”.

Os britânicos, com a sua longa e experientada vivência democrática, optaram pelas parcerias civis e mantiveram a instituição casamento. Estarão eles contra a “plena integração social da homossexualidade”? Serão eles, mestres da tolerância cívica, os intolerantes neste assunto?

Por outro lado, o post da Sofia Rocha também aborda a perspectiva da integração social (que não será muito diferente da sua) colocando o enfoque na igualdade. Não tenho a mesma opinião mas a lógica dos argumentos salienta o seguinte: “Quem olhar para os órgãos de soberania, para a gestão de empresas, pensa que não existem mulheres, negros ou homossexuais no país. (...) em França um reputado economista socialista recomenda que todas as empresas e o Estado divulguem anualmente um relatório com os dados relativos à contratação, com referência expressa ao género, raça e proveniência, como forma de publicamente fomentar as boas práticas e evitar a discriminação. Gostava que o meu país promovesse a igualdade com medidas efectivas como esta.” Será por esta via que se alcançará a refrida integração social? Ou pela via do decreto-lei como refere o Pedro? Não concordo com qualquer delas e entendo que a integração das pessoas (de cada um) se faz pela atitude que cada um de nós tem perante o outro (sim, o outro, por que será sempre diferente de mim). Também por isso entendo que se deve tratar diferente as situações que são, em si mesmas, diferentes. Tal como fizeram os britânicos.
Vasco Mina

Unknown disse...

Caro Vasco,
Está enganado quando diz que a perspectiva da Sofia não é diferente da minha. É, e muito. Tenho o horror às engenharias sociais e sou contra o estabelecimento de qualquer tipo de quotas. Não acredito que seja por via da imposição legislativa que se resolve o problema de que tratamos. Dito isto, acredito que a Lei também tem uma dimensão simbólica. E que no caso em apreço, o simbolismo da medida, me parece poder contribuir para que, tal como sugere, mudemos a nossa atitude individual em relação ao outro.
Obrigado pelo seu comentário.