sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Interpretação e interpretações da Constituição

Há uma discussão muito interessante no blog da SEDES sobre o mérito ou demérito da decisão do Presidente da República em não submeter certas questões relativas ao Estatuto dos Açores a fiscalização preventiva. Podem lê-la aqui:http://www.sedes.pt/blog/?p=471
Por razões óbvias (relativas ao meu estatuto judicial) não me pronuncio sobre o fundo mas não queria deixar de notar o que este debate nos pode ensinar sobre a natureza das Constituições. Na verdade, toda a discussão relativa às razões que levaram o Presidente da República a não pedir a fiscalização preventiva do Estatuto dos Açores assenta, na minha opinião, num equivoco no que concerne as Constituições e a sua interpretação. A interpretação da Constituição não é um monopólio dos tribunais. O que os tribunais (e, no caso, o Tribunal Constitucional) têm é a autoridade última em caso de conflitos de interpretação da constituição (e, ainda assim, apenas quando esses conflitos lhe sejam submetidos). E mesmo o domínio da interpretação jurídica da Constituição (em que o TC tem a última palavra) apenas define o âmbito disponível para a interpretação política da mesma. A interpretação da Constituição não se esgota nos Tribunais e é isto que está implícito na decisão do Presidente da República em não submeter algumas questões do Estatuto dos Açores à fiscalização preventiva. No fundo, o Presidente quis afirmar claramente face a outro órgão político qual a sua interpretação da Constituição. É como se o Presidente afirmasse que, mesmo que o Tribunal Constitucional entenda como constitucionalmente admissíveis as normas controversas do estatuto, a sua leitura política da constituição é contrária às mesmas. Curiosamente, ao agir desta forma, o Presidente da República protege, ao mesmo tempo, quer a sua autoridade enquanto intérprete da Constituição (ao não a subordinar a um pedido de fiscalização da constitucionalidade) quer a autoridade do Tribunal Constitucional (ao distinguir a sua interpretação política da interpretação com autoridade jurídica que fica reservada para o Tribunal Constitucional: como muito bem nota o Quimpé no blog da SEDES se o Presidente tivesse associado o discurso que fez a um pedido de fiscalização preventiva estaria a "condicionar" o Tribunal Constitucional).

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu acho que este episódio dos Açores nos diz mais sobre a interpretação que Cavaco Silva faz das funções de PR.
A Constituição da República e as outras “constituições”, e onde é que Cavaco Silva andou mal na questão da promulgação do Estatuto dos Açores.

Sofia Rocha disse...

Miguel, muito bom post.
Eu a lê-lo e morta de riso a lembrar-me das lições de Gomes Canotilho (1º ano) e Cardoso da Costa (5º ano), enquanto Presidente do TC, a ministrarem lições sobre a CRP, com a fé de quem ensina os Evangelhos.