terça-feira, 25 de novembro de 2008

O homem que roubou Portugal

E não é que era um aventureiro...
Leio os jornais e fico inquieto.

Temo que Alves dos Reis, figura grada da parte mais irreverente do meu imaginário, perca o seu lugar no pódium dos maiores burlões da história e seja atirado para o buraco negro do desconhecimento.

Alves dos Reis era um prodígio de imaginação e de iniciativa. Por falência da empresa funerária do pai, foi para Angola com a mulher e fez-se passar por engenheiro, o que, na altura, era um achado e era útil. Para o nobre e científico efeito forjou um diploma de uma das escolas – inexistente, mas muito bem inventada – de Oxford, onde nunca se dignou ir às aulas.

Em Angola prosperou, comprando empresas com cheques sem cobertura que cobria com o dinheiro sacado às empresas adquiridas. Ter-se-á distraído nalgum momento porque a sua irresistivel biografia o dá como preso, no Porto, em Julho de 1924.

O período sabático (curto) na prisão inspirou-o e deu asas à sua criatividade ímpar. Com engenho, preparou um contrato com o Banco de Portugal que o autorizava a fazer notas numa empresa licenciada para o efeito pelo próprio Banco. O contrato era falso; as notas eram fraudulentas como Judas mas irrepreensivelmente iguais às verdadeiras. E gordas: 500 escudos com a efígie de Vasco da Gama.

Gama descobrira o caminho marítimo para a India, Reis tinha descoberto um caminho seguro para a fortuna. Com a cumplicidade de banqueiros holandeses, espiões alemães, empresas britânicas e o envolvimento de diplomatas portugueses, Alves dos Reis montou uma operação de falsificação cujo montante atingiu 1% do PIB português. Criou o Banco de Angola e Metrópole e, por pouco, não chegou a controlar o Banco central, o Banco de Portugal, que era então um banco privado.

Mas se Vénus o protegia, como antes protegera o Gama, outros deuses lhe devem ter falhado (talvez Mercúrio, rei dos ladrões) e o jornal “O Século”, faz agora 83 anos, cheirou a marosca e começou a morder-lhe as canelas. Duas semanas depois, a 5 de Dezembro de 1925, “O Século” denuncia o caso em prosa impiedosa e no dia seguinte Alves do Reis é preso.

Cumpriu 20 anos de prisão. Quando saiu, propuseram-lhe emprego num Banco, actividade em que notoriamente era especialista. Faltou-lhe sentido de humor: não aceitou.

Leio os jornais e o meu coração, que se comove com histórias de infâmia dignas de um Jorge Luis Borges, entra em arritmia. Os jornais anunciam golpes e Bancos que não são – ou nunca foram – Bancos. Andam, digo eu, a tentar tirar um santo do altar. Com a falta de memória e de sentido de história que campeia neste Portugal do século XXI, ainda acabam por acreditar que qualquer ganancioso prepotente se pode comparar a um artista imaginativo, fascinado pela perfeição e pela ousadia poética dos seus golpes.

Que ninguém se esqueça do epitáfio do “The Economist” no dia da morte de Alves dos Reis. A melhor revista do mundo disse dele e dos seus cúmplices: "The perpetrators, however reprehensible their motives, did Portugal a very good turn according to the best Keynesian principles."

É mais do que pode dizer-se de muita gente honesta.
Publicado aqui, no Pnet Homem

5 comentários:

Luís Bonifácio disse...

Condenado a 20 anos de prisão com base numa lei ... retroactiva.

Porque há data dos factos o único crime que Alves dos Reis cometeu foi a de ..... Falsificação de assinatura.

Sofia Rocha disse...

Manel, já viu o que seria de nós sem a imprensa?

Vasco M. Grilo disse...

Manuel, um grande tema para voce desenvolver um script hollywoodiano..........

Manuel S. Fonseca disse...

Caro Vasco, agradeço-lhe a sugestão, mas enquanto não descobrir uma forma de fazer notas tão irrepreensíveis como as do Alves dos Reis... Ou arranja-me uma co-produção italiana?!

Anónimo disse...

bem, já fizeram uma novela. ou seria um seriado?