sábado, 25 de outubro de 2008

Resposta a Sofia

A democracia acorrentada?
Sacha Dean Byian
Sofia, discordamos mesmo, no que não há mal nenhum e talvez possa haver algum bem. Li aqui e reli mais abaixo - com gosto, aliás - e confesso que não me anima muito rebater as ilações a que a Sofia chega. Ilações que noutro contexto poderia mesmo aplaudir. O que me custa, por uma simples questão de rigor, é que chegue a essas ilações (no essencial, que o PS controla a a RTP e que, de forma premeditada, está a calar conteúdos incómodos) usando como bandeira dois casos cujos contornos materiais estão nos antípodas do que lhes é atribuído.
Poderia vir aqui espantar-me com o facto de PS ou PSD – os dois partidos que legislaram, controlaram, nomearam, e fizeram trinta por uma linha – conseguirem acusar com seriedade senatorial a outra parte como culpada, única culpada e merecedora do fogo do inferno, pelas variadas trapalhadas em que o país está emitido e das quais a RTP não é, certamente, a maior.
Mas não, só me interessa uma coisa pequenina e prosaica – é que o ponto de partida está, na minha pessoalíssima opinião, errado. Se tudo o que a Sofia tem para sustentar a sua tese é a saída dos Gato e a alteração de programação do Contra, então o seu casus belli não tem razão de ser. Atrevo-me a dizer: não há nesses dois “incidentes” nenhuma acção política concertada; não há nesses “acidentes” nenhuma directiva em que a administração da RTP ou o seu actual director tenham feito o triste papel de factótuns. Declaração de interesses: conheço os directores de programas das estações de televisão e sei que, se têm um problema, o problemas deles é conquistar públicos e gerir orçamentos. Posso admirá-los obscenamente ou invejá-los com ressentimento, mas não lhes discuto o profissionalismo.
Não me vou repetir, ou melhor vou: os Gato foram para a SIC com o director de programas que, tendo-os contratado para a RTP, transitou da estação pública para a privada. Julgo mesmo terem feito uma declaração nesse sentido, manifestando empatia (e até gratidão) por quem os tratou bem e lhes proporcionou condições dignas. Mérito desse director.
Para o caso do Contra, a Sofia dá a melhor das explicações, ao mencionar o Daily Show do Jon Stewart. É um sucesso? Sim, no cabo e num canal orientado para um nicho de mercado. Nenhuma estação americana “major” exibe o estimável e irreverente Stewart. Por razões de mercado. No actual quadro em que a RTP opera (do qual o PSD e o PS são responsáveis) e com os objectivos que lhe são definidos, essa é uma das razões (gerar receita para amortizar a dívida, o que julgo vir do ministro Morais Sarmento). A outra é a renovação de conteúdos, reciclando os modelos esgotados, sobretudo quando não chegam longe, nem calam fundo, para usar a contrario expressões da Sofia.
Tire, Sofia, estes casos concretos de cima da mesa e eu nem discuto. Mais, desde que não tenha de ser “engagé”, ofereço-me para estar de acordo: o país está péssimo e as liberdades estremecem, arrepiadas.
Talvez até já nem vivamos em democracia. Só pedia era às tecnocracias partidárias que não nos usurpem a alegria de sermos nós, os que nem o direito de voto nos arrogamos, os primeiros a dizer isto. Caso contrário, ficamos com uma sensação de feira: a do PSD e PS terem o poder de tomar as medidas que nos arruínam e ainda a de terem o privilégio de serem os primeiros a queixar-se delas. Está bem, atirem os foguetes. Mas deixem ao menos sermos nós a apanhar as canas.

Seja como for, e mérito da Sofia, o tema, saboroso e sumarento, gerou enorme adesão. O Joshua, por exemplo, regressou ao nosso convívio. Admirador de ontem, detractor de hoje, está revoltado comigo. Mágoa que exprimiu com alguns sobressaltos gramaticais. Aconselhando-o a reler (para não tresler) os motivos da nossa discórdia, agradeço-lhe os mimos e calo-me já para não lhe coarctar a indignação.

4 comentários:

Táxi Pluvioso disse...

Pior que tudo isto foi as queixas apresentadas pelos telespectadores contra a Liga dos Últimos. Pediram a retirada do programa. Dizem que dá má imagem ao país e que os lusos não são assim. Sobretudo no país "scolarizado", bandeira na janela, vitória no peito, heróis pela barba.

Por viverem no litoral, vestirem umas porcarias da Zara, perfumarem o corpo e tirarem um curso, deu-lhes a sensação que ficaram bonitos e espirituosos.

Sofia Galvão disse...

Manel, quanto ao tema, nada acrescento. Quem teve a paciência de nos ler pôde perceber os nossos pontos. Apenas registo, com manifesto agrado, a evolução do seu pensamento, em afinal pouco mais de 24 horas: em comentário ao Pedro, assumia que “os elefantes corriam livres na pradaria” e reconhece agora que “o país está péssimo e as liberdades estremecem, arrepiadas”. Não é mau augúrio para o que ainda possa vir a concluir…
No mais, contrariando ensinamento sábio de Óscar Wilde, resisto à tentação de comentar algumas das suas mais tocantes passagens [da declaração de agradecimento dos GF, à referência às estações americanas “major”, esta verdadeiramente extraordinária já que, comparando o incomparável, logo as vemos capazes de exibir o “Liga dos Últimos” ou “Os Contemporâneos”… :-)]. O que ressalta, julgo eu, Manel, é o que resulta do seu honesto registo de interesses: na verdade, o conhecimento concreto de pessoas e práticas enviesou-lhe a análise. Porque, tratando-se de factos públicos, genericamente apreensíveis pelo público e susceptíveis de uma interpretação pública, o que importa – creio – é isso mesmo: o que aqueles que nada sabem sobre as circunstâncias concretas podem, com os dados disponíveis, ser levados a intuir, pensar ou concluir (o que, aliás, sempre se diga, nunca pode ser indiferente às opções que, em concreto, tome este ou aquele director de programas). O nosso afastamento é, pois, metodológico.
Uma palavra final, para uma questão maior. Aqui, maior. Refiro-me à sua subtil tentativa de me fazer falar por alguém que não eu própria. No tom e no conteúdo, perpassando da primeira à última das suas palavras Pois, sobre isso, fica dito o seguinte: escrevi no Geração de 60, desde o primeiro dia. Para dizer o que pensava, para expor uma ideia ou deixar um argumento. Mal ou bem, o que EU pensava, a MINHA ideia, o MEU argumento. É para mim indiscutível que assim continua a ser. Falo por mim e por mais ninguém, responsabilizando-me a mim e a mais ninguém, obrigando-me a mim e a mais ninguém. Qualquer outro entendimento representa um condicionamento que considero injustificável e, por isso, inaceitável. O Geração de 60 é, desde a primeira hora, um espaço de liberdade, feito por pessoas que acreditam visceralmente na importância de exercerem, em responsabilidade, a sua liberdade. Pessoas que acreditam defender assim a liberdade dos outros. Pessoas que alimentam a esperança de poderem morrer num país livre, em que o espaço público seja penhor de liberdades individuais e colectivas.
Por isso, caro Manel, no Geração de 60, condicionar é calar. E a nossa ideia nunca foi, julgo eu, calar ninguém. Por mim, muito sinceramente, espero que não seja nunca.

Anónimo disse...

"Tire, Sofia, estes casos concretos de cima da mesa e eu nem discuto. Mais, desde que não tenha de ser “engagé”, ofereço-me para estar de acordo: o país está péssimo e as liberdades estremecem, arrepiadas.
Talvez até já nem vivamos em democracia."

depois destas conclusões, você diz ainda que admira o profissionalismo dos seus conhecidos da RTP!!?? sinceramente não percebo!! pela minha lógica você teria que os chamar de vendidos...

Manuel S. Fonseca disse...

Tric, não são nada uns vendidos! E para perceber as minhas "contradições", se tiver paciência peço-lhe que leia o post publicado acima em que respondo a este belo comentário da Sofia Galvão. E agora deixe-me ir ali ver se o Leixões continua a pôr o FCP em estado cataléptico. A coisa está a correr bem e até nem está a dar na RTP.