Liberalismo e legalidade
É muito comum vermos pessoas que se dizem liberais, que estão sempre a dizer que é preciso deixar respirar o mercado (suponho que têm um concepção asmática do dito) e que ao mesmo tempo dizem que devemos ser flexíveis na aplicação das leis.
É evidente que historicamente legalidade e liberalismo não vão forçosamente de par. A Prússia do século XVIII era profundamente legalista mas sob o ponto de vista económico um pouco menos liberal. É verdade igualmente que a Holanda tem uma tradição mais liberal e um pouco menos legalista.
O problema é que o liberalismo que nos atiram à cara é ideológico e por isso tem de ser consistente. O liberalismo baseia-se num entendimento estricto da legalidade. As leis devem ser curtas, mas sobretudo devem ser certas. O que se pretende é que a relação do Estado com o cidadão seja o mais clara possível, que este não tenha surpresas. A sua relação com o Estado deve ser feita, no que respeita à relação de legalidade, de uma monótona pacatez, de uma sensaboria permanente. O que, convenhamos, pode parecer menos excitante, mas não deixa de ter as suas vantagens. Há coisas na vida bem mais excitantes que lidar com leis ou relacionar-se com o Estado.
Voltamos pois aos nossos cultores do liberalismo, que curiosamente pululam em departamentos do Estado e que são os grandes defensores de uma relação de flexibilidade com as leis. Acham que a flexibilidade é o que caracteriza o sistema liberal, logo, também a relação do Estado com os particulares deve ser flexível no seu entendimento das leis.
O problema é que esta perspectiva entra na mais absoluta contradição com o liberalismo que tanto defendem. Uma relação flexível rapidamente esconde o que é apenas uma interpretação arbitrária das leis. A um atribuo a licença porque hoje estou flexível, a outro não atribuo porque estou menos. Ou então, estando igualmente flexível, o que o Estado concede acaba por depender do desplante que quem lhe pede.
Sinceramente sempre achei que o Estado deveria fazer menos leis. A explosão normativa é universal, e ao contrário do que dizem os apresados, é tão grande nos Estados Unidos quanto na Europa. Parecem-me bem mais sábios sistemas como o do Código Civil francês ou da Constituição americana que conseguem resistir à prova dos séculos.
A mania da elaboração normativa permanente corresponde a uma incontinência verbal e a uma mentalidade mágica, que acha que a realidade se muda pela pura acção da palavra. Seja como for, estando instituída a lei, parece-me mais justo, mais igualitário e mais certo que seja aplicada com certeza. O aplicador da lei deve ter a permanente noção de que não é ele o soberano criador das leis, mas apenas um seu servidor. A primeira atitude na interpretação de uma lei deve ser a do reconhecimento de que não somos soberanos.
Por isso, sempre que vejo pessoas a defenderem a flexibilidade em nome do liberalismo, e, saliento mais uma vez que este fenómeno se encontra muito e não por acaso, na administração pública, é de outras intenções que falamos. Nem a lei nem o liberalismo os preocupam. Querem de um só golpe obter dois efeitos: dizerem que são liberais para mostrarem que não são mangas-de-alpaca; e ao mesmo tempo querem poder usar do arbítrio, como forma de saciar a sua sede de poder e a sua inveja da soberania. Põem a coroa na cabeça, mas bem sabem que ela lhes fica mal. Estão fadados a outros chapéus.
Alexandre Brandão da Veiga
É evidente que historicamente legalidade e liberalismo não vão forçosamente de par. A Prússia do século XVIII era profundamente legalista mas sob o ponto de vista económico um pouco menos liberal. É verdade igualmente que a Holanda tem uma tradição mais liberal e um pouco menos legalista.
O problema é que o liberalismo que nos atiram à cara é ideológico e por isso tem de ser consistente. O liberalismo baseia-se num entendimento estricto da legalidade. As leis devem ser curtas, mas sobretudo devem ser certas. O que se pretende é que a relação do Estado com o cidadão seja o mais clara possível, que este não tenha surpresas. A sua relação com o Estado deve ser feita, no que respeita à relação de legalidade, de uma monótona pacatez, de uma sensaboria permanente. O que, convenhamos, pode parecer menos excitante, mas não deixa de ter as suas vantagens. Há coisas na vida bem mais excitantes que lidar com leis ou relacionar-se com o Estado.
Voltamos pois aos nossos cultores do liberalismo, que curiosamente pululam em departamentos do Estado e que são os grandes defensores de uma relação de flexibilidade com as leis. Acham que a flexibilidade é o que caracteriza o sistema liberal, logo, também a relação do Estado com os particulares deve ser flexível no seu entendimento das leis.
O problema é que esta perspectiva entra na mais absoluta contradição com o liberalismo que tanto defendem. Uma relação flexível rapidamente esconde o que é apenas uma interpretação arbitrária das leis. A um atribuo a licença porque hoje estou flexível, a outro não atribuo porque estou menos. Ou então, estando igualmente flexível, o que o Estado concede acaba por depender do desplante que quem lhe pede.
Sinceramente sempre achei que o Estado deveria fazer menos leis. A explosão normativa é universal, e ao contrário do que dizem os apresados, é tão grande nos Estados Unidos quanto na Europa. Parecem-me bem mais sábios sistemas como o do Código Civil francês ou da Constituição americana que conseguem resistir à prova dos séculos.
A mania da elaboração normativa permanente corresponde a uma incontinência verbal e a uma mentalidade mágica, que acha que a realidade se muda pela pura acção da palavra. Seja como for, estando instituída a lei, parece-me mais justo, mais igualitário e mais certo que seja aplicada com certeza. O aplicador da lei deve ter a permanente noção de que não é ele o soberano criador das leis, mas apenas um seu servidor. A primeira atitude na interpretação de uma lei deve ser a do reconhecimento de que não somos soberanos.
Por isso, sempre que vejo pessoas a defenderem a flexibilidade em nome do liberalismo, e, saliento mais uma vez que este fenómeno se encontra muito e não por acaso, na administração pública, é de outras intenções que falamos. Nem a lei nem o liberalismo os preocupam. Querem de um só golpe obter dois efeitos: dizerem que são liberais para mostrarem que não são mangas-de-alpaca; e ao mesmo tempo querem poder usar do arbítrio, como forma de saciar a sua sede de poder e a sua inveja da soberania. Põem a coroa na cabeça, mas bem sabem que ela lhes fica mal. Estão fadados a outros chapéus.
Alexandre Brandão da Veiga
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