quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Da Visão: A minha linda casinha




No meio da vergonha de bíblicas dimensões em que se transformou a gestão e atribuição das mais de 3.200 casas que a CML foi recebendo como contrapartidas de negócios variados, retenho dois aspectos que me parecem dignos de nota.
O primeiro tem a ver com a candura com que todo o processo é encarado pelos diversos protagonistas desta história sinistra. Com uma ingenuidade argumentativa à prova de réplica, Pedro Feist, vereador da Câmara, fala em «realidade histórica» e confessa não entender a polémica porque os agora implicados «não fizeram nada mais do que sempre foi feito» (pois se ele próprio confessa que até já meteu umas «cunhas» …). João Soares, ex-Presidente, olha para o processo com desdém e vaticina que isto não vai dar em nada. Batista Bastos explica que «sempre foi prática a atribuição de casas a jornalistas e artistas» e entende que o valor da renda que paga é matéria «privada» (o interesse público, já se vê, só se invoca quando dá jeito). Mas é José Bastos, director do departamento de apoio da Câmara, que arrecada o prémio da «candura desarmante»: mantém um filho a viver na casa que Abecassis lhe atribuiu há dezoito anos (quando teve de lidar com um divórcio) porque «é a sua casa de reserva». E como se o argumento não bastasse ainda se dá ao trabalho de rematar, com a naturalidade dos inimputáveis: «se amanhã tiver de me separar outra vez, para onde vou?».
Mais do que exemplos mais ou menos «cómicos», mais ou menos grotescos, retenho o retrato de uma cultura de irresponsabilidade, de uma total ausência de valores e de uma vacuidade ética que constituem sinais de uma degeneração social que devia deixar-nos em pânico. É que quando uma sociedade perde a capacidade de indignação perante as iniquidades mais gritantes, os atropelos à Lei e à ética mais grosseiros, o nepotismo mais desabrido, terá perdido uma boa parte da sua capacidade de regeneração.
O segundo ponto que me parece ser de relevar prende-se com o lugar de Pedro Santana Lopes nesta história. No próprio dizer de Feist «não fez nada mais do que sempre foi feito». O que, acrescento eu, nada justifica e nada atenua. Mas dito isto, tenho dificuldade em entender porque é ele, sempre ele, o único «bombo da festa». A fazer fé nos factos revelados pela imprensa, o «bodo aos funcionários» vem muito de trás e chamusca todos os Presidentes. O regabofe é antigo e a mão pesada da justiça e da opinião pública não deveriam poupar ninguém. Mas Santana, ao contrário de alguns outros que dominam a arte de passear entre os pingos da chuva, é o grande protagonista de mais esta história. É ele que abre telejornais, é ele que ocupa lugar de destaque nas manchetes, é ele que põe o caso na agenda política. É dele que se ocupam os jornalistas, os investigadores, os adversários políticos. Para o caso não me interessa saber se por culpa própria, se por puro acaso. Não gosto, nunca gostei, do político. Mas mais ainda me desgostam os abutres (da política, dos jornais, da máquina judicial) que se mostram sempre muito lestos a apontar aos alvos fáceis mas não são menos exímios a fazer vista grossa às vacas sagradas da nossa paróquia.

ps: a imagem foi «rapinada» ao blog Gente de Lisboa

14 comentários:

Sofia Rocha disse...

Pedro, o que me choca mais é, a fazer fé, no que se leu nos jornais,que o assunto apenas se tenha tornado público porque alguém na calha para receber idêntica benesse não logrou os seus intentos.
Tendo em conta o tempo a que durava a prática, os que dela beneficiavam, familiares, conhecidos, funcionários, políticos, actuais e anteriores, quantas pessoas tinham conhecimento da prática? Milhares?
E no entanto o assunto nunca foi tornado público. Diz muito sobre a nossa cultura.

Anónimo disse...

Quinta-feira, Outubro 02, 2008
Helena Lopes da Costa centralizou no seu gabinete a atribuição de chaves de segundas habitações sociais,

JORNAL DE LISBOA - OUTUBRO 2008
*
"Helena Lopes da Costa centralizou no seu gabinete a atribuição de chaves de segundas habitações sociais, os chamados "desdobramentos” e “transferências”.
A então vereadora da Habitação Social assinou uma circular em que avoca essa prerrogativa para o seu gabinete, retirando-a aos serviços competentes da Câmara de Lisboa e à Gebalis, empresa municipal de gestão dos bairros sociais.
A vereadora da Habitação Social e da Acção Social, Helena Lopes da Costa, determinou, através de uma “circular” com data de 29 de Janeiro de 2003, que fossem entregues ao seu gabinete as chaves de todos os fogos sociais para atribuição de segundas habitações, como consta do referido documento a que o Jornal de Lisboa teve acesso.
No documento, endereçado ao então director do Departamento Gestão Social do Parque Habitacional (DGSPH) e à presidente da Gebalis àquela data, para além de ser “dado conhecimento a todos os membros do gabinete”, Lopes da Costa determina que aqueles serviços camarários e a empresa municipal de gestão dos bairros sociais de Lisboa deixem de poder decidir sobre a atribuição de segundas habitações sociais, conhecidas na gíria camarária como “desdobramentos” e como “transferências”, cujas atribuições “deverão ser acompanhadas” por um membro do seu gabinete.
Em concreto, a então vereadora da Habitação Social e da Acção Social informou o DGSPH e a Gebalis que “Considerando que se torna necessário proceder a uma gestão mais eficaz do parque habitacional social; Considerando que importa uniformizar os critérios de cedência de fogos de segunda atribuição, determino que: a) As chaves dos fogos do património de segunda atribuição só poderão ser requeridas (ao DGSPH e à Gebalis), pelo meu adjunto, dr. Gonçalo Moita, ou pelo meu assessor, dr. Diogo Pipa; b) Todas as chaves dos fogos já recebidas ou a receber, nos termos da alínea anterior,ficarão a/c do dr. Diogo Pipa; c) As atribuições dos referidos fogos deverão ser acompanhadas pelo dr. Diogo Pipa.”
De acordo com fontes camarárias, esta determinação da então vereadora Lopes da Costa pode ter duas consequências imediatas.
Trunfo político
Em primeiro lugar, salientam, fica sujeita “à arbitrariedade” da tutela política a aprovação dos “desdobramentos” e das “transferências” nas habitações sociais. Ou seja, os agregados que já beneficiem de uma habitação social e que, por qualquer razão, requeiram uma segunda habitação, na forma de “desdobramento” (agregado familiar original “desdobra-se” noutro, por exemplo por casamento de um descendente) ou como “transferência” (agregado solicita a “troca” de habitação designadamente por crescimento do agregado familiar), ficam na pendência da decisão do gabinete, em última instância da então vereadora. O que, sublinham, pode “constituir um forte trunfo político”.
Em segundo lugar, afirmam, estão “definidos os critérios quer de atribuição original de habitação social, quer para os desdobramentos e transferências”, designadamente através de despachos e deliberações camarárias (ver quadro anexo). Pelo que, frisam as nossas fontes, a centralização de pedidos das chaves das habitações no gabinete da vereadora e o “acompanhamento das atribuições” pelo seu assessor Diogo Pipa “não tornam a gestão mais eficaz do parque habitacional social, nem contribui para uniformizar os critérios de cedência de fogos”.
Aliás, o controlo das chaves dos fogos, quer sociais, quer do chamado “património disperso” [resultante, pelo menos em parte,de contrapartidas das cooperativas de habitação pela cedência municipal dos terrenos para construção] não é um exclusivo para as habitações sociais da Câmara. Neste sentido, e segundo parecer do DGSPH, “de acordo com informação prestada superiormente”, a então directora da Acção Social, Rosa Araújo, “recebeu através do gabinete” de Helena Lopes da Costa as chaves de um apartamento T2,conforme o Jornal de Lisboa avançou em primeira mão na sua edição de Fevereiro deste ano.
Outra cedência de habitação municipal, também avançada em primeira-mão pelo Jornal de Lisboa na edição de Março deste ano, foi a atribuída ao comandante da Polícia Municipal,comandante André Gomes, cujas chaves também terão sido alegadamente entregues através do gabinete da vereadora. De acordo com a Imprensa, estas terão sido duas das situações que levaram à constituição de Helena Lopes da Costa como arguida nas investigações que têm vindo a ser realizadas pelas entidades judiciais. De acordo com o Diário de Notícias,as investigações da Polícia Judiciária – dmitidas pela actual vereadora da Habitação e Acção Social, Ana Sara Brito,em entrevista ao Jornal de Lisboa, em Maio passado – terão originado o processo 3712/07.4TDLSB no âmbito do qual a exresponsável pela Habitação Social foi constituída arguida depois de ouvidas diversas testemunhas, nomeadamente o seu antigo adjunto, Gonçalo Moita, um dos elementos do gabinete que Helena Lopes da Costa responsabilizou pelas “chaves” das habitações destinadas a desdobramentos. "
In Jornal de Lisboa, Outubro 2008

1:38 PM

Anónimo disse...

Antigo presidente da EPUL também teve casa da câmara na Quinta do Lambert

02.10.2008, José António Cerejo


Atribuição foi feita com "critérios discricionários" que eram usuais à época, diz José Manuel
de Sousa. E ocorreu numa altura em que ainda não estava naquela empresa municipal


Um antigo director dos serviços de estudos e planeamento da Câmara de Lisboa, que depois foi presidente da EPUL e hoje é administrador de várias empresas financeiras e imobiliárias do grupo Espírito Santo, também beneficiou de uma casa da autarquia nos anos 80. José Manuel de Sousa confirmou-o ao PÚBLICO, mas sublinhou que não se tratava de uma habitação social, embora a renda, cerca de 100 euros, fosse muito inferior à que se praticava no mercado.
A história do prédio em que José Manuel de Sousa residiu na Quinta do Lambert, ao Lumiar, é uma das mais significativas da discricionaridade que vigora há décadas na atribuição do chamado património disperso do município e foi contada no jornal Tal & Qual em Dezembro de 1989.
O caso, que o JN ressuscitou ontem, depois de o DN ter aludido a ele na véspera, remonta a 1986, ano em que o então presidente da câmara Kruz Abecasis decidiu entregar os 14 apartamentos daquele edifício de sete pisos a funcionários superiores do município e a outras pessoas sem particulares carências económicas.
O prédio tinha acabado de ser construído e chegara à posse da autarquia no âmbito das contrapartidas (actualmente proibidas) que eram devidas ao município pelos promotores de uma urbanização vizinha. Entre os contemplados com uma casa nova e com rendas entre os 20 e os 140 euros contavam-se não só José Manuel de Sousa, como o então jornalista da RTP José Cândido de Sousa, o antigo selecionador nacional de futebol Ruy Seabra e o assessor de imprensa de Abecasis, Veríssimo Pires.
A gestão de grande parte dos mais de três mil fogos municipais que não estão integrados em bairros sociais fazia-se à época, e continuou a fazer-se até agora, com base nos critérios pessoais dos autarcas responsáveis e sem que houvesse quaisquer regras para o efeito. Situação idêntica acontecia, aliás, com a atribuição de espaços e de terrenos a toda a espécie de associações e entidades mais ou menos meritórias, para que aí instalassem as suas sedes e serviços.
Apesar disso, a câmara ainda tem um grande número de fogos e espaços dispersos ao abandono, parte deles degradados, enquanto os pedidos provenientes de particulares e de associações continuam a acumular-se. Um exemplo entre muitos é o de um prédio, na Rua da Madalena, onde João Soares entregou uma loja e um andar ao pintor Inácio Matsinhe, os quais se encontram hoje em dia desocupados e sem préstimo.
Sobre os procedimentos usados para a atribuição dos apartamentos da Quinta do Lambert, José Manuel de Sousa recorda-se apenas que "uma senhora vereadora" [provavelmente Ana Sara Brito, que tinha à época, como agora, o pelouro da acção social] teve "a amabilidade e a generosidade" de lhe atribuir uma casa, atendendo a situações da sua vida pessoal e ao facto de ser "um funcionário esforçado e mal pago".
Os critérios, faz questão de salientar o actual administrador da Espart (Espírito Santo Participações Financeiras, SGPS), "não eram os que se aplicam à habitação social", porque não se tratava de fogos sociais. "Eram casas que eram atribuídas por razões que considero discricionárias", afirma, acrescentando que "acontecia com alguma frequência a câmara arrendar casas fora dos bairros sociais a funcionários seus".
José Manuel de Sousa diz que deixou o apartamento "três ou quatro anos depois", à volta de 1990, numa altura em que já não era funcionário da Câmara de Lisboa. "Deixei a casa porque não me sentia com direito a ela", explica, garantindo que quando Jorge Sampaio o convidou para presidente da Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) já não vivia nesse local.

Anónimo disse...

" As saudades que eu já tinha da minha alegre casinha..." já cantavam há uns anos os Xutos e Pontapés.
Quanto dinheiro perde a câmara de Lisboa ( e outras)por mês em casas que tem devolutas e que poderiam estar arrendadas gerando assim receitas que permitiriam, por ex., baixar os impostos municipais?
Imenso, se calhar até, imensíssimo.

Com os melhores cumpts.,
CCinez

Anónimo disse...

Sofia: estou absolutamente de acordo.
Anónimo: agradeço o serviço de «clipping» mas este não é o espaço para despejar artigos de jornal

Anónimo disse...

não é despejar notícias. é divulgar noticias. OU neste blog ha lapis azul, por maioria de razão......................

incomoda -o alguma coisa? o que o deve incomodar é o laxismo crimonoso da situação e os criminosos que roubam o erario publico.

tão só
e lamento te lo incomodado com a divulgação da noticia.

Anónimo disse...

Anónimo:
Se quer verdadeiramente saber, a única coisa que me incomoda é conversar com anónimos.
Dito isto, talvez tenha sido injusto. Há muita gente a despejar, sob a forma de comentários, notícias de forma semi-automática num exercicio propagandistico que me irrita. Se a sua intenção era debater o tema, aceite as minhas desculpas. Mas faça-me a justiça de reconhecer que a sua alusão ao lápis azul é descabida: eu teria tido a opção de me limitar a apagar os seus comentários.

Anónimo disse...

Será que o país de que Eça se lamentava mudou uma letra do seu DNA desde então?

Anónimo disse...

Caro Pedro Norton. Desculpas aceites, E peço lhe pesculpa tambeom pelo meu excesso do tal lapis. Mas este assunto mostra a iniquidade e a falencia de um sistema acantonado em amiguismo e cartelização de interesses. è lutar contra isto é tarefa de Golias. O que é aqui recorrente é que as star system são sempre os mesmos. Os mesmos nomes, em diferenres situações. e nica a fazer o bem nem a defender o interese publico. Incompetentes e criminosos. Pode, diga-se quando se tem o poder de dar casas e se fica responsavel pelo chaveiro municipal e não de distribuem as casas pelas famílias que necessiatam, mas pelos amigos, significa que os pobres e os que precisam , ficam sem as casas. E num país onde há 20% de pobres, isso só tem um nome: corrupção . E isso mete -me um profundo nojo.

Anónimo disse...

COMENTÁRIO COM ERROS CORRIGIDOS:

Caro Pedro Norton.

As suas desculpas aceites. E peço lhe desculpa também pelo meu excesso do tal lápis. Mas este assunto mostra a iniquidade e a falência de um sistema acantonado em amiguismo e cartelização de interesses. E lutar contra isto é tarefa de Golias. O que é aqui recorrente é que as star system são sempre os mesmos. Os mesmos nomes, em diferences situações. e nica a fazer o bem nem a defender o interesse publico. Incompetentes e criminosos. Pode, diga-se quando se tem o poder de dar casas e se fica responsável pelo chaveiro municipal e não de distribuem as casas pelas famílias que necessitam, mas pelos amigos, significa que os pobres e os que precisam , ficam sem as casas. E num país onde há 20% de pobres, isso só tem um nome: corrupção . E isso mete-me um profundo nojo.

"É tão bom ser importante. Mas o importante é ser bom" - padre Antonio Vieira

Anónimo disse...

Anónimo: faz muito bem em sentir nojo. A esperança só morre quando acaba a capacidade de indignação.

Anónimo disse...

Caro Pedro Norton,

O seu artigo de opinião veio encerrar nevralgicamente esta balbúrdia sobre as casas da CML. Subscreveria, não sem acrescentar que, (com o respeito devido aos comentários aqui apostos), 99% das perorações sobre o assunto serão fumaça portuguesa no seu melhor, especialmente as que abundam a coberto do anonimato, ponto!

Adiante:

Já se vai tornando hábito dar umas espreitadelas à vossa "Geração de 60", apesar ter nascido uma década à frente (ou atrás), precisamente dois dias depois do RCP ter passado a senha - "E Depois do Adeus".

Isto, apenas para dizer que enquanto vocês choravam baba e ranho de joelhos esfolados, eu ainda estava na concepção.
Haveria de esfolar também cabeça, tronco e membros, uns largos anos mais tarde, que quando petiz era acautelado. Mas isso agora não vem ao caso...

A questão é esta, e desculpe-me não ter arranjado melhor intróito:

Como Portugal "é um T1" e toda a gente se conhece, sei por portas travessas que o Pedro é um admirador dos Açores e das Flores em particular, tornando lá repetidas vezes.

Quem terá feito o melhor achado?
Enquanto foi vivo, de cada vez que me despedia do meu avô, na véspera de sair da Ilha, o conselho do ancião era sempre o mesmo, "... procura sempre os mais sábios que tu, ou não vale a pena caminhares...".

Pois bem - aceita emprestar a sua mundividência, pro bono, ajudando este lusitano, florentino de sangue ("estrangeirado" por 5 anos de Coimbra e 11 de Lisboa) a recuperar as casas degradadas das Flores, de modo a que o mais recôndito e exótico torrão português possa ser um verdadeiro primor?

Garanto-lhe que a ideia não é vir a albergar naqueles fogos quaisquer almas semelhantes às de quaisquer alegadas intelligentsias, hordas de mercenários dos esclerosados aparelhos partidários, ou mesmo dos "beneméritos", seus subsidiários.

Ricardo Alves Gomes

Anónimo disse...

Ricardo,
Não sei exactamente o que pode valer a minha mundividência mas tenho todo o gosto em falar consigo. Quer enviar-me um mail para pnorton@impresa.pt?

Anónimo disse...

Pedro,
Obrigado pela resposta franca e lesta.
Creio ter ideia do que a sua mundividência pode valer. Logo lhe direi no mail a enviar para o endereço indicado.