terça-feira, 2 de setembro de 2008

II. Khomiakov, L'Eglise latine et le Protestantisme au point de vue de l'Eglise d'Orient, Xenia Editions



É fácil em relação à Rússia viver de oposições. Os ocidentalistas, modernos, contra os eslavófilos, reaccionários. O despotismo contra a anarquia. Os elementos da mais requintada civilização associados à maior barbárie. Depois de duas guerras mundiais estas opções tornam-se muito menos evidentes. Sobretudo mostram-nos que nunca foram efectivamente evidentes.

Os eslavófilos como retrógrados e reaccionários? Seja. Talvez fosse bom lembramo-nos que também eles lutaram pela libertação dos servos na Rússia e não apenas os ditos ocidentalistas. Que estavam bem longe de ignorar os movimentos intelectuais mais avançados da Europa. Não se trata de um conjunto de eruditos de paróquia mal informados e em permanente birra. Em certo sentido ensinam mais a Europa que muitos ocidentalistas, que apenas mostraram ser capazes de aprender em profundidade dos conceitos ditos ocidentais, mas sem grande inovação.

Khomiakov é dos mais belos exemplos da eslavofilia, ou melhor, da defesa da ortodoxia contra os ocidentais, sejam latinos sejam protestantes.

Os conceitos que usa não são irrelevantes e ainda hoje em dia nos fazem pensar, não apenas no plano político mas igualmente civilizacional. Distingue fortemente união de aliança. Alianças temo-las feitos com não europeus, sejam turcos, americanos, ou chineses. União é algo de mais profundo, mesmo que não estejamos a falar no plano especificamente religioso.

Qual é o ponto principal da sua argumentação? O clássico na ortodoxia. Há um cisma ocidental (no ocidente dizemos oriental), um protestantismo latino da Igreja de Roma, a que se segue um protestantismo germânico. Mais que cisma, há mesmo heresia. Quebra-se o dogma da Igreja como uma união de amor, quando se anuncia a supremacia papal. A esta heresia apenas se poderiam acoplar outras como a do filioque a Imaculada Conceição e assim por diante. Nisto repare-se que Khomiakov é consistente e mesmo convincente, se pensarmos apenas no seu primeiro ensaio. A sua eclesiologia não é disparatada, é a que resultaria dos primeiros concílios, de forma mais ou menos expressa ou confusa. É a clássica argumentação ortodoxa, e vendo o mundo com os olhos de um ortodoxo, teria imensa razão. A primazia particular da Sé de Roma, sobretudo quando em certos momentos críticos foram papas a defender a ortodoxia, nunca foi posta em causa pelos ortodoxos. Mas que essa primazia se arvore em princípio constitutivo de toda a Igreja é coisa que um ortodoxo não pode aceitar. E faz bem. Faz bem porque representa um ponto essencial da eclesiologia que desafia os nossos prejuízos ocidentais.

Khomiakov tenta demonstrar que a Igreja (ortodoxa) é por isso a única que concilia dentro de si o depósito da verdade (como os latinos) com a procura da verdade (como os protestantes). O que seria “apenas” eclesiologia passa a ser assento para mostrar qual o papel do fiel na igreja. O protestantismo romano (para usar a sua expressão) cai no despotismo, o germânico na anarquia.

A História deu alguma razão aos ortodoxos. Conseguiram manter a unidade sem depender de um órgão central e não caíram na fragmentação protestante. O vínculo de amor como base da união da igreja parece ter demonstração histórica. O problema é que este argumento do sucesso histórico é reversível. Se o sucesso for o critério, a Igreja católica é de longe a mais bem sucedida de todas. Nova argumentação: isso vem do facto de seguir o sucesso dos impérios em que assentou: espanhol, português, francês. Só em parte. E o mesmo se poderia dizer da relação da ortodoxia com os impérios em que assentou, seja russo, búlgaro ou bizantino. E isso não explicaria o facto de o maior sucesso que teve a igreja católica foi pós-colonial. Valendo as estatísticas o que valem, tudo indicam que triplicaram as conversões em África depois da saída dos impérios coloniais. O próprio interesse dos impérios coloniais em expandir o catolicismo foi muito relativo. A República laica francesa e mais tarde a portuguesa não seriam muito suspeitas de favorecimento das missões católicas, embora se tenha visto de tudo na História.

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