sábado, 9 de agosto de 2008

Vivam os intelectuais...

Justificando incidentalmente o meu descanso no terrível tribunal do Manuel S. Fonseca, aproveito o tema dos intelectuais para reassumir funções no nosso blog. E cumprindo um preceito metodológico, próprio de quem já foi da «profissão», ajudarei as reflexões aqui havidas pondo a pergunta sempre central em filosofia: O que é um intelectual?
Ora, um intelectual é um homem do espírito, não um homem das letras. É, conforme a própria palavra, aquele que «lê por dentro» (do latim intus + legere), sendo que ler por dentro é conhecer a coisa a partir do espírito que a informa. A capacidade de participar na vida espiritual (leia-se, intelectual), portanto, é, desde sempre, o maior e mais essencial dom de todos deuses ao ser humano – a todos os seres humanos, independentemente das suas mais variadas condições!
Assim: 1. O intelectual é aquele que conhece na raiz a terra inteira. A superfície, para si, é acesso ao espírito. Não nega o prazer do que toca, mas transcende a oposição dos sentidos, partilhando e aprofundando as sensações. 2. O intelectual é um homem bom. O seu saber está obrigado à encruzilhada dos caminhos onde livremente escolhe o que há-de ser. 3. O intelectual é um peregrino que, humildemente errante neste mundo, descobre a luz que ele contém.
Intelectual, portanto, não é o mesmo que erudito. Pode acontecer em alguém que as duas coisas coincidam, mas de modo nenhum são sinónimas. Em Covas, de onde ontem vim de férias (esta parte é para o Manuel), terra longínqua que, entre Caminha, Vila Nova de Cerveira e Ponte de Lima, cresceu cercada por montes de muitos verdes, chegam muito devagar todas as letras. E, no entanto, também ali há gente sábia. Gente que, como Newton, reconhece nos seus gestos os movimentos dos outros – sejam eles coisas, pessoas ou deuses – e que na constância dessa relação é reconhecido pelos outros como um sábio que ilumina um pouco mais a realidade.
Os intelectuais não morreram, como bem dizia a Sofia. Morrendo, morrerá o homem. Mas não estão nas bibliotecas. Estão nas descobertas que fazem e que transmitem aos outros mudando interiormente as suas vidas. E, como em tudo na vida, há bem mais do que parece.

5 comentários:

Sofia Rocha disse...

Sem querer parecer oportunista, já estive para lhe fazer a pergunta. Fico agora com a impressão que a resposta que o Alexandre nos dá, depois da estada em Covas, é outra que aquela que teria dado antes.
Esta parece dada pelo Jacinto, retemperado por uma canja de galinha fortificadora, em paz com a serrania e longe das gerigonças do progresso...

Gonçalo Pistacchini Moita disse...

Olá Sofia

Entre o Alexandre e o Jacinto fiquei sem perceber qual a pergunta que, podendo parecer oportunista, tinha estado para me fazer... :)

Sofia Rocha disse...

Tenho duas possibilidades: ou assumo o erro, ou disfarço.
Assumo o erro. Li o texto,mas convencida de que estava a ler a continuação dos textos do Alexandre!
Pensei, ora aqui está, também andava a pensar " E o que é que é um intelectual?"
Todavia o tom era tão diferente, tão distentido que eu pensei que estava a assistir a um fenómeno de metamorfose como o do Jacinto em "A cidade e as serras " .
Consegue o Gonçalo perdoar-me?
É que eu não sei se me consigo perdoar pela leitura apressada...

Miguel Poiares Maduro disse...

Caros Gonçalos e Sofia,

Eu tenho uma definição mais simples de intelectual para oferecer: alguém que gosta de fazer uso da inteligência e de confrontar a sua inteligência com a inteligência dos outros. Para além de evitar críticas de elitismo esta definição, como se impõe, reconhece que todos os membros da geração de 60 são intelectuais.
Miguel
PS: também eu me apresento ao trabalho no blog (mas que isto não sirva de pretexto para o Manuel Fonseca diminuir a sua intensidade criativa!)

Manuel S. Fonseca disse...

Fique claro que quanto eu fiz soar o clarim para reunir as dispersas tropas (intelectuais, bem entendido), nunca me passou pela cabeça recriminar os veraneantes (até por ser do ócio que nasce o amor à sabedoria). Posto isto, vou ali ao estádio da Luz ver o glorioso regresso do glorioso e logo, pela madrugada, tentarei ser digno dos belos posts que a Sofia, o Miguel e o Gonçalo aqui deixaram.