Pedido de Casamento
Para se casarem, há homens dispostos a tudo.
Há quem faça pedidos de casamento aos microfones de um avião em pleno vôo. Consta que um cavalheiro, na inequívoca posse das faculdades mentais, alugou um cavalo, vestiu armadura medieval e, a trote, avançou pelo jardim público à conquista da amada.
Um anel, um ramo de flores, o joelho no chão, já nada disso basta aos intrépidos amantes. Agora, por um “sim”, um simples “sim”, lançam-se de pára-quedas ou mergulham nas profundas dos oceanos. São desvarios que têm consequências. E custos. Mais de dois milhões de euros por dia é o preço que Portugal paga por esse deslumbramento emocional.
Explico-me: a paragem cerebral não é irreversível, os sujeitos recuperam a lucidez e o divórcio é a terapia milagrosa. Para todos? Menos para o Banco de Portugal que atribui um terço dos incumprimentos no crédito à imparável vaga de divórcios. Ao todo, no último ano, mais de 800 milhões de euros de dívidas incobráveis resultaram de precipitados arroubos amorosos que culminaram em rupturas caloteiras. Moral da história: emprestar dinheiro a apaixonados é mais alto risco do que emprestá-lo a doentes ou desempregados.
O meu sentido cívico obriga-me a dar uma pequena ajuda aos mais incautos. Um “não”, um rotundo “não”, pode evitar-vos problemas com o vil e espúrio crédito. Mulheres de Portugal: um “não” pode ser tão bom como um “sim” e garantir aos irreflectidos proponentes mais fama e posteridade.
Foi o que aconteceu a Oscar Wilde. Em 1881, o escritor pediu em casamento Charlotte Montefiore. Sabe-se lá se por sensatez ou pulsional desconfiança, Charlotte disse-lhe que “não”. Com mais ironia do que despeito, Wilde escreveu-lhe uma carta: “Lamento a decisão. Com o seu dinheiro e os meus miolos, tenho a certeza de que teríamos chegado longe.” Foram felizes os dois, longe um do outro.
Por mais apaixonados que estejam, sugiro-vos que vejam o mundo com o mesmo véu negro que Kafka, tendo em conta o episódio que se segue, deve ter colocado em frente aos seus desorbitados olhos. Apaixonado por Felice, que só vira uma vez em Berlim e a quem mandava 50 cartas por mês, Kafka acabou a escrever-lhe um insólito pedido de casamento: “Casa-te comigo e vais arrepender-te. Não te cases comigo e vais arrepender-te. Casa-te comigo e não te cases comigo, em ambos os casos arrepender-te-ás.” Felice resolveu o dilema buscando amparo em braços mais consoladores. Kafka vingou-se com o labiríntico e tormentoso “O Processo”.
Dois rotundos “nãos”: ficou a ganhar a literatura e o Banco de Portugal não se queixa.
Publicado, agora mesmo, no Pnet Homem
3 comentários:
E que tal viver a paixão num imóvel arrendado? Se não resultar entrega – se o imóvel ao senhorio (com um razoável pré-aviso) e vai cada um à sua vida sem incumprimento e aflições para o Banco de Portugal e entidades sob a sua alçada. É simples e funciona em todo o mundo civilizado que não padece do congelamento (real) das rendas urbanas.
As relações hoje são prêt-à-porter.
Manel fiz um post com uns laivos de "twist". Em infante eras um yéyé ou um consumidor da besta do Sinatra?
Só o Amor salva.
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