segunda-feira, 7 de julho de 2008

Sexo mandarim e cantonês (uma iniciação)

As melhores cenas de sexo dos últimos anos não são proeza fácil.
É frequente os realizadores de cinema hesitarem no relatório das suas qualidades quando chega à figuração do sexo. Quase todos apontam dificuldades, fáceis de entender: o intimismo cutâneo do sexo é difícil de simular e reproduzir (e não estamos a discutir as complexidades do orgasmo feminino), e poucos foram os cineastas a consegui-lo. Claro que há os mestres do coito elíptico - perdoem-me a crueza -, como Hitchcock (as "pernas de frango" de "A Casa Encantada", o jantar interrompido na varanda de Copacabana em "Difamação", o fogo de artifício e as rolhas de champanhe a saltar em "Ladrão de Casaca"), Lubitsch (portas que se fecham, janelas que se abrem), Wilder (basta ver "Kiss Me Stupid"), Kazan ( a sexualidade tão precoce como fúnebre de "Esplendor na Relva"). Mas sexo à séria, crú ou incandescente, em cena, "in camera", acção e sensação, há poucos que o façam bem (como na vida, desculpem nova rudeza).

Ang Lee é um desses casos singulares. Em "Lust, Caution", há dias lançado no mercado de aluguer DVD (fugiu-me da rede quando estreou), Lee trata o sexo como muito do sexo é: de uma urgência visceral, combativo, negociado, carregado de subtextos, à beira da violência, uma infinita viagem à psique do parceiro (a) - ou (a) adversário (a) de circunstância.
Ao reproduzir visualmente o sexo num erotismo que quase clama pela pornografia (a contínua insinuação da genitália, a proximidade do suor, o tom urgente, à beira da morte - que finalmente chegará ), Lee aproxima-se da violência ética de "O Império dos Sentidos" de Oshima, da notável (e célebre) intimidade da sequência entre Donald Shuterland e Julie Christie no "Aquele Inverno em Veneza" de Nicolas Roeg - Donald, amante de Christie à época, insinuou que o sexo aconteceu mesmo na rodagem -, do verismo dos amantes de "Red Road" de Andrea Arnold, do destempero desesperado, eficazmente "sleazy", de Tilda Swinton e Ewan McGregor em "Young Adam" de David McKenzie.
O sexo, trave mestra do cinema do auto-exilado Ang Lee (exílio geográfico, cultural, sentimental), é a forma que um dos mais interessantes realizadores contemporâneos encontrou para reproduzir a sua preocupação de sempre: o sentimento de não pertencer.
Todos os filmes de Lee falam da procura de uma família que vai escapando, de um lugar de integração que foge, e do pressentimento físico e psicológico de que a vida nos vai afastando dessa plenitude que só a integração e a pertença poderiam trazer.
A integração e a pertença é o que procuram - quase sempre sem sucesso - o casal homossexual de "O Banquete de Casamento", os cowboys gay de "Brokeback Mountain", os miúdos imersos na disfuncionalidade dos pais no fabuloso "A Tempestade de Gelo", o anti-super-herói de "Hulk", (a mais adulta das fitas do género, se bem que pintada em grossos traços psicanalíticos), a renegada Zhang Ziyi de "O Tigre e o Dragão".
Em "Lust, Caution", rapidamente despachado pela crítica em virtude de uma putativa fixação no academismo (pretensamente salva pelas explosões de sinceridade erótica...) é um cuidadoso e belo capítulo no ideário Ang Lee: Wong Chia Chi (Wei Tang, uma estrepitosa descoberta) é uma jovem orfã que procura o seu lugar numa sociedade em desintegração, a China de Shanghai e Hong-Kong durante a ocupação japonesa da 2ª Grande Guerra. Seduzida a integrar a resistência, a tarefa que lhe dão - mas que ela, em grande medida, encontra para si própria - é montar a cilada a um chefe policial do regime colaboracionista, Mr Yee (interpretado pelo sempre excelente Tony Leung). Por breves momentos, o jovem e idealista grupo de estudantes onde Wong Chia Chi se integra revela-se a família que nunca teve - infantil, ríspida, doce, egoísta, como todas as famílias. Mas o enraizamento é efémero, e a conquista da identidade irá revelar-se cada vez mais complexa, já que ela terá de se tornar amante do homem que deseja destruir - ou desejará?
Esta permanente contradição - e o jogo da pertença que essa contradição implica - não é mais do que uma nova súmula do trabalho de Ang Lee, agora acrescido de uma pulsão física inesperada, agressiva, ardente. O melhor sexo em cinema dos últimos anos.
E para vocês, onde está o melhor sexo no cinema? E na pintura? E na literatura?
Não me ocorre melhor pensamento estival.

6 comentários:

Anónimo disse...

Quando ontem constou que ias fazer um post sobre sexo cantonês temi que fosses fazer a apologia do amor com pauzinhos. Fico mais sossegado. Enquanto penso no sexo no cinema (depois de um post destes não se pode responder qualquer coisa) aqui fica a minha achega para a literatura: voto no diptíco «Cadernos de D. Rigoberto» / «Elogio da Madrasta» de Llosa.

Miguel Poiares Maduro disse...

Caro Pedro,

A minha escolha é a cena de sexo no Último Imperador do Bertolucci (em que apenas filma os movimentos da colcha).
Miguel

Sofia Rocha disse...

O desejo: " Ligações perigosas";
"O Piano"; " Ata-me".

Sexo:" O último tango em Paris"

JP Guimarães disse...

Algumas sugestões na literatura:
1. Num género mais sofisticado "voto" nos Cadernos de D. Rigoberto (a propósito dos quais aqui escrevi um post há pouco tempo).
2. Num outro mais desbragado, mas com passagens extraordinárias, deixo a sugestão do Under the Roofs of Paris (publicado originariamente como Opus Pistorum), do Henry Miller.
3. Finalmente, com um humor inigualável, o Portnoy's Complaint do Philip Roth.

Sofia Rocha disse...

Meus senhores, os filmes, meus senhores.

Anónimo disse...

eyes wide shut
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