segunda-feira, 7 de julho de 2008

Bem prega frei Louçã...


O doutor Francisco Louçã realizou este fim de semana mais uma acção de campanha integrada na estratégia publicitária do seu Partido, desta vez subordinada ao tema: «Esquerda e Cultura – o futuro já não é o que era». Aí, falando sobre a grave crise que atravessamos, que considerou ser o fruto de uma política quase exclusivamente entregue aos interesses dos grandes patrões, criticou duramente as remunerações auferidas pelos administradores de várias empresas (BCP, TAP, Águas de Portugal...), cuja ganância se constitui como a causa profunda da crise em que nos encontramos: «Esta ganância – diz Louçã – tem sido uma forma de governar o país e quando ouço o Compromisso Portugal defender que haja mais desemprego, mais austeridade, mais crise, percebemos bem que há dois pesos e duas medidas e isso é profundamente contrário à responsabilidade democrática em Portugal.»
Ora, também eu defendo, como julgo que quase todos, a igualdade de oportunidades e, nesse sentido, uma desejável e progressiva aproximação (familiar, económica, social e política) entre ricos e pobres. Mais do que isso, choca-me a pobreza, que, sob todas as suas formas, deve ser social e politicamente combatida. Nesse sentido, não posso deixar de concordar com o Bloco de Esquerda na afirmação de que a crescente disparidade de condições e de remunerações laborais entre pessoas de uma mesma empresa, de uma mesma cidade, de um mesmo país, de um mesmo continente e de um mesmo mundo, é um sinal claro de uma situação de injustiça que é preciso combater.
Discordamos, no entanto, na maneira de enfrentar estes problemas, sendo disso que, de algum modo, aqui quero falar, ainda que sob a proposta – que se vai tornando urgente – de instauração de um processo geral de desilusão relativamente ao Bloco de Esquerda. E aviso desde já que essa desilusão tem ser dupla, nomeadamente quanto à pretensa ingenuidade irreverente do discurso e quanto à também pretensa inofensibilidade dos propósitos.
Quero com isto dizer, em primeiro lugar, que não nos devemos iludir com a pretensa falta de lógica no discurso do doutor Louçã, porque o discurso do Bloco de Esquerda, formalmente criado nos tempos da ovelha negra do PSR, não pretende ser coerente, mas divertido – lógica segundo a qual, aliás, tem crescido entre a juventude com uma eficácia assinalável. Isto implica, em segundo lugar, que não nos devemos iludir com a suposta cientificidade subjacente a esse mesmo discurso, porque, na verdade, o que se esconde sob esse discurso aparentemente adolescente e divertido é um projecto profundamente moralista e/ou religioso, relativamente ao qual faremos bem em estar atentos.
É o que podemos ver a partir do exemplo acima citado. Em primeiro lugar, porque o discurso não é lógico. Com efeito, não faz sentido dizer que os patrões são os causadores desta crise na qual estão de algum modo interessados em prejuízo dos trabalhadores, porque, havendo certamente quem lucre com a crise, é óbvio que a maioria dos patrões não a quer e é prejudicada por ela. Do mesmo modo, não é lógico identificar patrões e administradores – pois que obviamente não são a mesma coisa –, nem opor administradores e trabalhadores – como se os primeiros não trabalhassem –, nem dar exemplos que confundem empresas públicas e empresas privadas – como se tivessem naturezas semelhantes –, etc. Tudo isto, porém, é divertidamente comunicado, sem nunca demorar nos argumentos e por meio de uma sucessão de imagens que, sendo conhecidas de todos (Compromisso Portugal, BCP, TAP, etc.), permitem acompanhar despreocupadamente o discurso, à maneira de quem folheia uma revista.
Perguntar-me-ão, então, como pode conciliar-se esta superficialidade do discurso com o seu carácter pretensamente científico? Pois o facto é que pode, justamente porque ele é pretensamente científico. As soluções apresentadas pelo Bloco de Esquerda, na verdade, não convencem pela sua solidez científica, mas pela graça do slogan que as faz permanecer no ouvido. A pretensão da cientificidade do discurso, bem ao contrário, advém do reconhecimento geral dos seus líderes como homens e mulheres de ciência (é espantoso, aliás, sobretudo se a comparamos com a dos líderes dos restantes Partidos políticos, a informação difundida em torno do percurso científico e académico dos líderes do Bloco de Esquerda). A sua ciência, no entanto, é marcadamente positivista, isto é, absolutamente materialista, pelo que invariavelmente surge - mais ou menos claramente - com um pendor moralista e religioso. Assim se percebe que a explicação dada pelo Bloco de Esquerda para a actual crise seja a maldade dos patrões, particularmente assumida sob a forma da ganância, pecado mortal que só pode ser erradicado do coração do nosso povo por inspiração da acção irrepreensivelmente santa do seu líder, tanto temporal quanto espiritual, Francisco Louçã. É caso para dizer: «Valha-nos Deus!».

2 comentários:

Sofia Rocha disse...

O discurso de Francisco Louçã, faz-me lembrar um spot publicitário de rádio que ouço nas viagens que faço de carro. O produto é um dietético. Para se lhe dar um ar científico, põe-se uma nutricionista a falar. Nele, fala-se de kilos de resíduos, de fibras, inchaço, de comer alfaces, de emagracer kilos de imediato. É fácil,é só ouvir a doutora nutricionista, ir à farmácia e provar a beberagem. Tenho para mim que o Francisco Louçã, para enriquecer o cv, já fez também o curso de nutricionismo, ou então tem passado muitas horas ao volante.

Redonda disse...

Eu diria mesmo: "Livre-nos Deus de tanto mal"