segunda-feira, 28 de julho de 2008

Apanhando o TGV

Não percebo grande coisa de comboios. E no entanto a democracia exige-nos que formemos opiniões sobre algumas coisas que serão vagamente importantes no futuro e que nos sairão do bolso.

Sob o ponto de vista estratégico sempre fui favorável ao TVG. Numa Europa em que imperam as médias distâncias e em que os comboios funcionam a electricidade, dependendo a montante por isso de fontes energéticas que podem ser variadas e com maior autonomia energética da Europa, sempre pendi a favor do TGV. Isto além de razões estratégicas e ecológicas que me aprecem aceitáveis.

Seja como for, não sou especialista em comboios e por isso gostaria que me esclarecessem um pouco mais sobre o assunto. A verdade é que esta questão tem posto a nu um vício na discussão pública em Portugal, que vai muito para além da questão do TGV.

Quem fala? Economistas. Para dizer o que? Que é caro, não é rentável e não é necessário. Tudo matérias em que pessoas com formação económica são competentes para se pronunciar, é certo. Nem contesto a coisa. Mas serão completamente competentes?

Que sabem os economistas de construção de caminhos-de-ferro? De fontes de alimentação em energia? De saturação de tráfego? De desgaste de materiais? Que estudos fizeram sobre as velocidade médias efectivas dos comboios entre Lisboa e Porto? E Lisboa e Madrid?

Ignoro. E não tenho conhecimento bastante para fazer a crítica disto. Mas noutro dia ouvi pela primeira vez um engenheiro a falar sobre a questão. Fala se bem me lembro de 591 comboios por dia na linha Lisboa Porto e da sua saturação, de uma velocidade média de 40 km por hora nessa linha por força da saturação, e dos atrasos provocados pelos comboios de mercadorias, do desgaste de materiais.

Não sei. Mas pareceu-me de repente que estávamos a falar de linhas de comboio e que um engenheiro saberia mais da matéria que um economista. Que fale o economista sobre o investimento numa biblioteca, mas antes gostaria de ouvir quem lê livros, que fale sobre a construção de uma igreja, mas antes que me fale quem sabe de teologia.

O problema é geral. Em Portugal pede-se ao futebolista que fale de geoestratégia, ao comentador político que fale de cultura e à estrela de telenovela que se pronuncie sobre a crise financeira. Que o economista fale de investimentos, parece-me bem razoável. Mas sobre a utilidade a necessidade e a estrutura da coisa a investir gostaria de ouvir em primeiro lugar quem sabe da coisa. Muitos de nós teremos aprendido a falar sobre muita coisa. O problema é que em perspectivas diversas. Alguém que partiu uma perna é mais bem assistido por um médico que por um economista, mesmo que este seja importante para (ajudar a) determinar os custos da operação.

Continuo sem bases para discutir seriamente esta questão. Mas como serei eu, como contribuinte líquido desde sempre, a pagar esta operação, e como vai influenciar a relação do meu país com a Europa, sou parte interessada na coisa. Gostaria de ouvir pois um pouco menos de economistas e gestores sobre isto e mais quem saiba de comboios. Cada um tem o seu lugar. Já ouvi uns, gostaria de ouvir outros para ter fundamentos na minha opinião.






Alexandre Brandão da Veiga

http://www.ordemengenheiros.pt/altavelocidade/files/Alta%20Velocidade-Portugal%20mais%20pr%C3%B3ximo.pdf
http://www.europeanrailwayreview.com/
http://europa.eu/scadplus/leg/en/lvb/l24013.htm
http://www.railpass.com/
http://www.raileurope.com/us/rail/fares_schedules/
http://www.raileurope.co.uk/Default.aspx?tabid=454

5 comentários:

Pedro Braz Teixeira disse...

Permito-me colocar o debate do TGV noutros termos e sair do beco “TGV: sim ou não?”, que me parece a atitude errada. O que nós temos que fazer é começar por definir prioridades nacionais gerais. Na minha opinião, as áreas onde estamos relativamente pior em relação à Europa (ou em relação a uma qualquer utopia que se queira) são a educação e a justiça e não os transportes. Logo, o grosso do investimento deveria ir para educação e justiça e não para transportes.

Passando este passo, dentro da área dos transportes vamos admitir que tinha sido afectado a este sector as verbas necessárias para construir o TGV. Mesmo aqui, temos que voltar a perguntar: o que é prioritário, o que está relativamente pior? E aqui não tenho dúvida em responder que o pior é a circulação nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, que afectam diariamente milhões de pessoas. Imaginem o que se poderia fazer se se gastasse as verbas do TGV em melhorar a condições de circulação nestas áreas! É que o TGV é uma solução caríssima para um problema que não existe.

Ou seja, é completamente ridículo que uma eventual sub-alínea de um plano verdadeiramente geral de investimento público seja o foco da discussão, quando o que se deveria começar por discutir é o conjunto e as suas linhas mestras e só depois as conclusões. Mas o TGV cheira demasiado a decisão tipo rainha de copas na Alice no País das Maravilhas: “Primeiro a sentença, depois o julgamento”.

Anónimo disse...

Caro Pedro,
Permita-me entrar neste debate aqui. A sua posição parte de um pressuposto que é porventura errado, a saber, que os esforços são mutuamente exclusivos. No passado isso não foi sempre assim. Cavaco, mal ou bem, andou nas várias frentes, recordemo-nos. Guterres teve apenas a "paixão" pela educação (Barroso, esse, teve o "discurso da tanga", isto é, do far niente). Qual ganha no campeonato? No da História será seguramente Cavaco.

Pedro Braz Teixeira disse...

Caro Pedro,
Está a esticar um pouco o que eu disse. Não digo que se se investe na educação não se pode investir nos transportes. Estou apenas a falar da restrição orçamental: se se investe um milhão aqui, já não se pode investir esse milhão noutro lado.

O gravíssimo problema da economia portuguesa é que esta restrição orçamental tem avançado a ritmos baixíssimos. Portugal está numa trajectória de divergência estrutural com a UE, devido a um problema seriíssimo de falta de competitividade. Este sim é O problema. É por isso que considero incompreensível que, estando nós numa situação gravíssima (muito para além do desastre da conjuntura), o governo se prepare para avançar para um investimento gigantesco, que não ajuda em nada o nosso maior problema. Aliás dá a ideia de que o governo julga que a retoma resolveria tudo, quando isso não é verdade (a divergência é estrutural). E julga talvez que estimulando a procura interna via investimento público antecipa a retoma. Nada de mais errado. Num país com um grave problema de falta de competitividade, um estímulo da procura só gera importações e endividamento.

Anónimo disse...

Caro Pedro,
Isto não se pode resolver num debate aqui e um dia temos de arranjar uma forma melhor para debater com mais força. A verdade há-de estar algures no meio do que dizemos. Mas note, investimento não é procura, mesmo quando é público. E o TGV não é só betão (nem o aeroporto): é uma infraestrutura de elevada tecnologia. Quanto ao esforço financeiro, confesso que nao tenho na cabeça quanto é que representa do investimento total doméstico (ie nacional e estrangeiro) nem do PIB. Talvez aí seja onde o seu argumento é mais forte. Mas ainda estou em dúvida, pois imagino que seja 2-3% do PIB, cada ano, durante 10(?) anos. Se assim for, não é muito.

Alexandre Brandão da Veiga disse...

Como disse, nada sei de comboios nem sou a pessoa mais interessada por políticas que façam noticia em jornal, por isso lembrei a minha ignorância na matéria.

Para mim o problema é antes do mais de método. O de se achar que, por se tatrar de um investimento, a última palavra é de economistas. Assim como durante décadas os lentes de Direito davam opiniões definitivas sobre a vida, parece-me que hoje em dia muitas pessoas de formação economica pretendem dar opiniões defintivas. No que me respeita lamento apenas a minha falta de informação e de como na dicsussão destas matérias se arruma um tema tão sumariamente.

No que respeita à educação condordo que é mais importante. Mas suspeito que não é por falta de dinheiro que funciona mal. E que talvez se consiga com o mesmo muito melhor. A premissa não me parece estar totalmente enunciada: presupõe-se que o dinheiro do TGV melhoraria a educação. O que me parece que fica por demonstrar. Mas a educação sim é tema que levaria muito mais tempo a desenvolver e quai não o posso fazer.

Obrigado pelos vossos comentários.