terça-feira, 24 de junho de 2008

Como vêem os chineses o referendo irlandês?

Não vejo com alegria o resultado do referendo irlandês. Vejo-o com realismo. Todos se penduram sobre o seu resultado, mas a dinâmica dos votos hoje em dia é tão múltipla que cabe num mesmo resultado toda a premissa e a sua contrária. Da extrema-direita à extrema-esquerda, dos europeístas aos anti-europeístas, dos preocupados com o curto ao longo prazo, errados ou não, muitos apoiam a negativa que aflige (e alegra) a Europa.

Seja. As causas são múltiplas e não as vou analisar aqui. A classe política diz muitas vezes que é preciso aproximar a Europa dos europeus, que é preciso explicar, no que têm alguma razão, mas esquecem que é do excesso de proximidade das classes políticas que nasce muito do desprezo da população por ela. “Eles são como a gente” dizia o povo no Norte de Portugal. O problema, diz-se, muitas vezes tem a ver com questões meramente nacionais. Mas esta perspectiva esquece que por isso mesmo o problema é europeu. É europeu nos seus resultados, sem dúvida. Mas é europeu igualmente na sua tessitura. Mostra um problema geral nas democracias europeias, mostra alguma falta de maturidade da populações europeias para perceberem que o mundo mudou efectivamente, e que o tempo urge. Que as novas e antigas potências agradecem quando a Europa pára, embora nas novas os sentimentos sejam mais variados. A Índia, o Brasil e sobretudo a Rússia sabem que têm interesse numa Europa forte.

O que interessa agora é tentar perceber como nos vêem os chineses.

A opinião de chineses vale o que vale, mas seja como for é uma opinião. Que vêem eles? A sua perspectiva é a da construção de poder. A liberalização de mercado é vista, de uma forma próxima dos alemães do II Reich, como um instrumento de poder. Não têm os nossos pruridos de base cristã em relação ao poder.

Que é a democracia para eles depois deste resultado irlandês? Num mundo em que as oportunidades chinesas crescem, não querem perder tempo. Para eles por isso mesmo este resultado tem um significado: a democracia é uma perda de tempo. Os europeus são em suma desprezíveis porque são incapazes de criar formas de poder consistentes.

Não interessa se têm razão ou não. Apenas tento ver as coisas com olhos de chinês. Mas para quem dá alguma importância a ser respeitado substantivamente pelo mundo, temos de perceber que o que se passou na Irlanda, inteligente ou não da parte dos irlandeses, é visto pelo óculo chinês como um episódio que mostra que os europeus são ridículos. Não são as liberdades que os comovem, e muito menos a democracia. Percebem que este sistema é pouco útil para a criação de poder e só por isso já o acham tonto.

A vida é assim. A crítica da rua acredita no fruto e nos resultados, muito mais que nas raízes, que não vê. O chinês é povo de visão sempre algo menos elaborada que a nossa. Olha para o europeu e pensa: Tontinho, não sabendo reconstruir o seu poder, não o merece.

Esperemos então a teia chinesa, que Napoleão e o nosso Eça já tinham previsto. Só não fica nela quem criar tenaz que lhe saiba opor. Temos direito de escolher favas no menu. Agora é altura de as comer.








Alexandre Brandão da Veiga

2 comentários:

Anónimo disse...

É interessante o seu ponto de vista.
No entanto, não nos podemos deixar impressionar pela grandeza e poder dos outros - é uma fraqueza dos pequenos. O poder não é só força militar ou económica. A Europa, tal como está a ser construída, é de facto ridícula, pois está a destruir as bases do que a fez grande : o Cristianismo, as Nações. Sem Povos (literalmente : veja-se as taxas de "crescimento" negativas), a Europa não pode aspirar senão ao declínio.
No meio de tudo isto, a democracia é de facto um pormenor; embora esta "democracia", quanto a mim, seja altamente corrosiva e esteja a acelerar o processo de desintegração.
O futuro a Deus pertence ...
Melhores cumprimentos,
João Wemans

Anónimo disse...

Já que ninguém mais interveio ainda, continuo -
acabo de ler estas palavras do Cardeal Schönborn :
“In the last 40 years," said Cardinal Schönborn, "Europe has said ‘no’ to its future three times: in 1968 when it rejected 'Humanae Vitae'; then, 20 years later, with the legalization of abortion; and today with homosexual marriages.” He continued: “It is no longer a moral question, but it is a fact. For example, in Germany today for every 100 parents there are 70 children and 44 grandchildren. In two generations the population will be cut by half. "This is an objective ‘no’ to the future. The only voice in Europe that has promoted and is promoting the future is the Catholic Church with Paul VI, John Paul II and Benedict XVI, and so many others. " In Zenit, 01. 04. 2008