sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sobre o PSD, para memória futura (III)

Amanhã haverá eleições. Depois de uma campanha centrada na discussão das pessoas. Ainda e sempre, quase só das pessoas.

As tentativas de ideologização das várias candidaturas (social-democracia versus liberalismo versus populismo) serviram uma pura lógica de confronto e, nesse sentido, acabaram por simplificar a própria expressão das diferenças. Para dentro, talvez chegue. Para fora, parece-me claramente insuficiente.

No fundo, sabe-se muito pouco acerca do que poderá vir a ser o dia seguinte. E, por isso, a escolha do melhor candidato não será condição bastante.

Infelizmente, a equação eleitoral foi pensada para funcionar pela negativa: cada candidato empenhou-se mais em afirmar o que jamais seria susceptível de realização pelos demais concorrentes do que em assumir o seu próprio compromisso de acção, como futuro – ou futura – líder. Por isso, custe ou não aceitá-lo, o voto em Manuela Ferreira Leite terá o objectivo primordial de não permitir a eleição de Pedro Santana Lopes ou Pedro Passos Coelho. Como o voto em Pedro Santana Lopes visará, antes de mais, não eleger Manuela Ferreira Leite ou Pedro Passos Coelho. Assim como o voto em Pedro Passos Coelho quererá, sobretudo, assegurar a não eleição de Manuela Ferreira Leite ou de Pedro Santana Lopes. Fruto do estado a que chegaram as coisas partidárias, é este o ‘pathos’ da escolha social-democrata.

Por mim, já o assumi, votarei em Manuela Ferreira Leite. Porque, por razões várias que nem sequer têm a ver com a pessoa de nenhum dos outros candidatos (embora resultem de uma convicção reflectida acerca do que os condiciona, fragiliza ou determina), sei o que não quero para o PSD. Mas reconheço que é pouco. E tenho pena desse pouco.

Gostaria de ter sentido mais densidade no debate político. Mais convicção política. Mais lastro político. Gostaria de ter visto afirmados princípios, valores e modelos políticos. Gostaria de ter sido confrontada com um programa. Um programa claro, consistente, pensado.

Como, aliás, gostaria de ter tido uma luz, um sinal, sobre a futura equipa. Em política, as pessoas não são tudo. Mas é facto que, também em política, as pessoas são decisivas. A diferença possível passa, inelutavelmente, por elas. Mas, sobre isso, não sabemos nada. A partir das muitas caras que surgem – ou ressurgem –, sobra a dúvida essencial: quais ficarão?

Seja como for, e apesar da centralidade das muitas incertezas que permanecem, em causa estará sempre – amanhã – a plausibilidade de um novo PSD. Na sua prática interna, em que tudo ou quase tudo requer reciclagem urgente. No seu compromisso com o País, em que tudo ou quase tudo exige uma mudança radical.

O que importa é, afinal, a possibilidade de refundar a esperança. E isso vai depender do dia seguinte. O PSD só poderá propor um caminho de futuro se conseguir: (i.) pensar politicamente o País; (ii.) arejar as ideias, a 'praxis' e os protagonistas que são a manifestação visível do 'status quo' partidário; (iii.) abrir-se à verdade da vida das pessoas concretas, das suas dificuldades e dos seus sonhos.

No início desta campanha, escrevi (ver aqui): «Portugal tem, hoje, um problema de liberdade. Como tem um problema com a qualidade da sua democracia. (…) Mais, Portugal tem um problema de governabilidade. Como tem na política a dificuldade maior da sua economia».

A urgência é, pois, política. A partir de domingo, veremos se o PSD quer – e sabe – voltar à política.

3 comentários:

Laura disse...

Percebo bem o seu ponto de vista. Mas não me espanta que se tenha discutido quase só as pessoas, nesta fase que é menos de fórum e mais de "enfermaria de trincheira" e feridas abertas há demasiado tempo...
É que foram elas, as ditas pessoas e não as ideias (supostamente comuns no essencial e pacíficas nas diferenças), que ultimamente nos reservaram as maiores desilusões (e traições?)
- Não será assim?

Gato escaldado...

O debate ideológico foi o que se viu: insuficiente. Mas penso que (para dentro) chegou. Afinal as pessoas têm a intuição perfeita do que as une e desune, lá dentro. Mesmo que só lhe conheçam a cor das paredes nestas alturas.
Isto, claro, se essas atracções/rejeições se derem por "meras" diferenças acerca do modelo de cidadania, valores sociais, ideia da missão do Estado, ética da acção política... enfim. Por pura opção do foro cívico pessoal.
Porque se for por outras razões, que não aquelas e outras do género, nem vale a pena determo-nos no lamentável fenómeno...

Sabendo isto, e com maior ou menor exigência (somada à correspondente dose de desconto), tem-se a coisa facilmente tripartida. Sem grandes surpresas... (?)

Quanto a mim, o debate ideológico a sério tem de ser feito, sim, mas já com as feridas "lambidas". Para que haja clareza de espírito, concentração, ausência de chicana e, sobretudo... para que haja COM QUEM O FAZER:)
A tal refundação.

Por mim, estou consigo: - será Manuela Ferreira Leite, claro.
Só pode, mesmo.
Pela seriedade, pela responsabilidade, pelo equilíbrio, pela capacidade, pela independência, pelo desprendimento e pela noção dos limites (os que deve respeitar e os que deve remover...).

Temo bem é que por fim (domingo e dias ss.) o debate ideológico que esteve latente e quase não se fez acabe por produzir os seus efeitos ao retardador, já sem tempo (nem pachorra!) para palavras, como uma lava irreprimível que... desiste de "tanto sofrer" :)

E então se baixem os braços de vez. E se saia, fechando a porta devagar, mas firmemente, como quem arquiva um período e apaga uma chama que já só existe nas nossas mentes.

Claro, só que desta vez não será como no seu post, em que cada atitude está, respectivamente, na razão inversa das outras duas. Porque está visto que o "doloroso ataque de lucidez" só vai acontecer num dos flancos! Aquele que é composto pelas pessoas que ali estão pela causa, as-que-têm-vida-além-PSD!
E que (não vá alguém tresler o tipo de "vida" autónoma a que me refiro e tomá-la por certas aparências literais do termo...) não são as pessoas que "ostentam" os sinais exteriores de outras ... ocupações.
É justamente o contrário:):)

Amanhã,sim, por MFL.

Sofia Galvão disse...

«Laura» é nome que não me deixa muitas pistas... Não sei se é nova ou velha, se faz isto ou aquilo. Em rigor, não sei sequer se é «Laura» ou mesmo mulher, pelo que não sei se não será antes Maria, António, Joana ou Francisco.
Seja como for, e seja quem for (!), o que importa é a substância do seu comentário e essa só pode dar-me alento. O seu testemunho mostra aquilo que, para mim, sempre será mais relevante: ou seja, que há gente atenta, gente que pensa, gente que percebe, gente que está aí... E acredito que, na hora decisiva, isso pode fazer toda a diferença.
O seu comentário evidencia o que, para mim, é óbvio: há muitas «Lauras» a quem não basta o que vamos tendo, «Lauras» que merecem mais ambição, mais exigência e mais rasgo...
Obrigada, «Laura»!

Laura disse...

Já agora, penso que estamos de parabéns! Voltou a esperança, embora tímida (eu sei).
Em rigor, isto foi mais uma jornada de "habilitação", porque na verdade hoje é que começa tudo.

Mas foi consolador poder "medir" com exactidão o número de pessoas que deram a maioria a alguém que não promete lugares nem tem 1 visão caciquista da política; alguém que tem rigor e independência como timbre de acção.

PS- Já agora, sou Laura, mesmo! E não um nick travestido.
Como não tem email disponível, não posso dar-lhe os dados em falta, para que pudesse fazer a fotografia do "votante"... :)