terça-feira, 6 de maio de 2008

O último a sair que feche a porta...


Tenho para mim a ideia, que reconheço ser de direita, que as mais altas figuras do Estado deveriam ser assim como as bíblicas luminárias, as quais, criadas por Deus ao quarto dia, haveriam de iluminar todas as coisas que depois delas viessem a ser. É por isso que me entristeço cada vez que os nossos mais altos representantes se mostram aquém das nossas mais naturais expectativas, como mais uma vez aconteceu no caso do senhor ministro da administração interna, dr. Rui Pereira, e das suas declarações sobre os dois episódios recentemente verificados em duas esquadras da polícia.
O primeiro, há pouco mais de uma semana, quando, num domingo, as instalações da Polícia de Segurança Pública de Moscavide foram invadidas por um grupo de indivíduos que, no seu interior, agrediram um jovem que ali se dirigira justamente para deles apresentar queixa, facto que só pôde acontecer porque, estando ali um único agente da polícia de serviço, o mesmo foi obviamente incapaz de fazer frente à situação.
Instado pelos jornalistas, o senhor ministro disse então o óbvio, isto é, que as esquadras, em termos simbólicos e efectivos, devem ser locais onde impere a segurança, pelo que a presença de um só agente da polícia no seu interior é uma situação que, embora muitas vezes se verifique, é absolutamente inaceitável. Até aqui tudo bem.
Logo a seguir, porém, dise também o impensável, nomeadamente que a solução para este problema - conforme, aliás, conversa entretanto tida com o senhor director nacional da PSP -, não passa pela contratação de mais agentes, mas pela reorganização das escalas de serviço, as quais têm de ser repensadas de maneira a que casos como este não se repitam. Com os actuais efectivos – garantiu o dr. Rui Pereira –, desde que devidamente reorganizados, é possível deixar de haver apenas um polícia ao serviço numa esquadra.
Ficámos a saber, assim, que a insegurança nas nossas cidades, nas quais nem numa esquadra estamos a salvo, não se deve à falta de recursos materiais ou humanos, mas à deficiente organização das escalas de serviço. Aquele pobre homem, portanto, não foi espancado, há oito dias, no interior de uma esquadra, por um bando de delinquentes, porque haja, entre nós, falta de polícias. Não. Temos polícias suficientes. Estão é mal distribuídos. Temos bons polícias. Estão é mal coordenados.
Ora, quem é que deve zelar pela boa distribuição e pela melhor coordenação dos agentes da polícia? O senhor ministro e senhor director nacional da PSP. Foi, por isso, muito bom que tudo isto tivesse acontecido, porque, agora, estando ambos conscientes dos deveres que correspondem às suas funções, as coisas vão garantidamente mudar. Porquê? Porque sim. Porque o senhor ministro disse-o e a comunicação social escreveu-o. E isso basta, até porque o problema, como todos nós sabemos, não é falta de agentes, mas de coordenação, como reconheceram os respectivos coordenadores, que antes não coordenavam, mas agora vão – obviamente – coordenar...
Este problema estava, portanto, resolvido, quando se deu o tal segundo episódio, o qual, de algum modo, está ainda relacionado com o primeiro. O facto é o seguinte: a esquadra da PSP do Rossio não tem porta, a qual ali inexiste – pasme-se – há mais de três anos.
O Comando Metropolitano de Lisboa veio imediatamente dizer que há muito que está ao corrente do problema, o qual, no entanto, desvaloriza, já que tal situação em nada influencia o trabalho dos agentes (o plural era optimista) numa esquadra que está aberta 24 horas por dia. Fontes policiais – que preferiram permanecer anónimas – disseram mesmo que o Comando está a pensar retirar também as janelas, o que não só tornará a esquadra mais fresquinha durante o Verão, como permitirá a qualquer desgraçado que ali se dirija a um domingo, fugir por uma janela sempre que vir a entrar pela porta aqueles de quem veio fazer queixa.
Já o dr. Rui Pereira, a luminária de que ao princípio vos falei, disse, com maior prudência, que o caso está a ser analisado e que uma solução será encontrada. Eu repito: Que o caso está ser analisado e que uma solução será encontrada! Ou seja, o senhor ministro, no que certamente será coadjuvado pelas mais altas instâncias da Polícia de Segurança Pública, está pessoalmente a tratar do caso da porta da esquadra do Rossio para o qual, aliás, espera vir a encontrar uma solução. Quem sabe não haja falta de portas na polícia e o problema passe pela sua melhor distribuição?
Numa semana em que soubemos também que o edifício de um tribunal com apenas 17 anos está a ruir por ter sido construido sobre um terreno pantanoso e que um outro tribunal funciona num edifício onde não há sala de espera (as pessoas fazem fila nas escadas do prédio), onde não há casas de banho (quem estiver muito aflito tem que ir até ao "café") e onde não há elevador (o qual se encontra a servir de sala do arquivo), é caso para perguntar se ainda vale a pena lutarmos por Portugal...!? E digo-vos, desanimado, que talvez já não haja outro remédio que não seja continuarmos, lentamente, a ir embora... e o último a sair que feche a porta - se ainda houver, claro.

7 comentários:

Sofia Rocha disse...

Gonçalo, é bem possível que a madeira comece a desaparecer, por ordens de razões: a primeira porque o inverno virá e ao preço que a eletricidade está, as lareiras e as fogueiras voltam a estar na moda; segundo, porque pensarão os portugueses, se uma jangada de pedra já flutuou, por maioria de razão uma de madeira, flutuará muito melhor!

Gonçalo Pistacchini Moita disse...

Minha cara Sofia
Parece esquecer-se que nós já temos uma Madeira que flutua...

Sofia Rocha disse...

Touché. Mas estava a lembrar-me mesmo do desespero daqueles que, deitando a mão a tudo o que podem, se lançam ao mar, só para fugir!

Gonçalo Pistacchini Moita disse...

Pois é. Mas lembro aqui o exemplo de Sócrates (o único, o verdadeiro), que preferiu morrer a fugir. Deu a vida por Atenas: por aquele tipo de cidade e por aquela cidade em concreto.
Nós, hoje, vivemos em tempo de crise (de cisão, de ruptura). Não acreditamos (falo do Ocidente) no nosso tipo de "cidade". Sabemos que, em parte, acabou, e não vemos ainda onde vai (ou pode ir) dar.
No caso de Portugal, além disso, não acreditamos nesta "cidade" em concreto. Não estamos dispostos a morrer por ela. Tivemos, aliás, talvez a única revolução do mundo que mudou o regime sem, no entanto, se matar ninguém. E, no entanto, fugir? Fugir para onde, neste ocidente em crise? Jangada de pedra, talvez. Sendo de pedra irá ao fundo!

Sofia Rocha disse...

Tenho visto muitos portugueses a meterem-se nas jangadas modernas da Portela, e partirem. Uns, para exercerem profisões qualificadas em países mais desenvolvidos, outros sabe-se lá.... Uns e outros fogem do estado de coisas a que chegámos, ou da fome, consoante os casos. E quem é que os pode censurar?

Anónimo disse...

Parabéns óptimo retrato de Portugal!
O que eles se reunem, as actas que devem ser escritas, as comissões que certamente serão criadas apenas para mandar fazer uma porta... Imagine-se agora o trabalhão que será para se organizarem...
O último não precisa fechar a porta pouca coisa haverá para preservar. A luz e a cor levamo-las na memória.

Manuel S. Fonseca disse...

Gonçalo,
até eu que sou de um inconsciente optimismo senti falta de ar ao lê-lo. Mas depois, no Jornal da Noite da SIC ouvi o Bob Geldof dizer o que disse sobre Angola e sobre os "criminals" que dirigem o país. Percebi que o horror também tem a sua escala, o que ficou ainda mais evidente quando ele afirmou o que, por vezes, o nosso patético folclore, nos impede de ver: ele disse que nós somos muito mais desenvolvidos do que parece; não somos uma pequena economia, somos, disse ele, "uma grande economia mundial". Só nos falta ser felizes.