Um rotundo não a mais e mais propaganda
Pelas mais variadas razões, tenho assistido a apresentações de iniciativas do Governo. Choca-me de sobremaneira o lado feérico e histriónico da logística da apresentação. Ainda hoje - desta vez só pelos microfones da rádio - senti a parafernália de "comunicação" para o anúncio da Nova Alcântara. Passar-se-á isto, desta maneira e com estes contornos, nas restantes democracias europeias? Para anunciar uma medida, um programa, um plano será necessária tal mobilização de meios humanos e financeiros? E os jornalistas continuam a acreditar e a dar crédito a tal cenografia? Um pouco mais de parcimónia, algum sentido da contenção de gastos e a probidade respeitadora dos sacrifícios dos portugueses não justificariam outra atitude do Executivo? E não mereceria outra censura? Haverá projectos com sentido e intrinsecamente bons; haverá outros simplesmente demagógicos. Com esta encenação, não há quem distinga o trigo do joio.
Não - um não rotundo - a tão perniciosa propaganda.
ps- só voltarei a 7 de Maio.
4 comentários:
Tenho exactamente a mesma sensação desconfortável.
Lembro-me, de um discurso do Salazar a propósito de um acontecimento de 1937 em que as tripulações de dois navios da Armada se revoltaram e propuseram rumar do Tejo à Espanha Republicana; sendo ambos alvejados a partir da costa e travado o seu intento :
"Não há razão (...) para lamentar exageradamente os prejuízos sofridos nos barcos. É certo que a reorganização da Marinha de Guerra, cuja fase inicial há pouco se alcançou, constituíu a primeira grande realização do Estado Novo. Com aquelas doces lágrimas que são a pura essência da alegria, a boa gente portuguesa os viu chegar ou lançar à água nos estaleiros nacionais, por não só se reatar a nossa tradição marítima mas se haver dotado o País de novos instrumentos de fôrça e de prestígio.
Embora à custa do suor de todo o povo, com a clara consciência do dever se mandaram construir. Com a mesma imperturbável serenidade dei ordem para que fôssem bombardeados até se renderem ou afundarem. A razão que se eleva acima de todos os sentimentos foi esta: os navios da Armada portuguesa podem ser metidos no fundo; mas não pdem içar outra bandeira que não seja a de Portugal."
Eis um bonito excerto.
Oxalá os governates de hoje captem a humildade, o sentido de serviço e o brio que revela.
João Wemans
Meu caro Paulo
Ainda pior, do meu ponto de vista, é esta propaganda política, feérica, histriónica, numa palavra, terceiro-mundista, ser, na verdade, publicidade enganosa. E aqui não há diferença entre partidos - há um regime em que todos são iguais. Sirva como exemplo o anúncio desta Nova Alcântara, ecoando sobre o anterior anúncio de uma Alcântara XXI... que não se fez, mas que importa? Já lá está um novo out-door: The show must go on!
A nossa comunicação social, por outro lado, faz parte deste regime. Não tem ideias, não tem capital, não tem visão, não tem estratégia. Sobrevive, apenas. Vive destes acontecimentos, da ilusão de uma realidade anunciada... e é por isso que, havendo um mínimo de habilidade no governo, a comunicação social se torna parte da máquina da propaganda.
Como havemos, então, de afirmar esse rotundo não? Não sei. Sei apenas que, seja o que for que consigamos vir a fazer, se o conseguirmos vir a fazer, será difícil e levará tempo... ao contrário dos anúncios dos governos!
Gostava que esta fosse uma das questões em que o PSD ousasse ser diferente. Maior sobriedade, rigor, verdade. E que a essa atitude, correspondesse, uma nova forma, linguagem. Basicamente, que a intervenção política pública não se resumisse a um longo "porreiro". Ou seja, uma palavra, que traduz coisa nenhuma, que se esgota no momento em que é pronunciada.
Na verdade, Alcântara não é projecto de José Sócrates. Está pensada e trabalhada há alguns anos. Eu própria participei desse trabalho que vinha do tempo do Dr João Soares, muito avançou entre 2002 e 2004, tendo passado à letargia subsequente, que também passa despercebida nos media.
É ridículo e desonesto, por parte do Governo, este show de projectos de geração espontânea. E é de uma incompetência feroz e basbaque o relato da Comunicação Social. Não sabemos se o faz enfeudada a interesses políticos e económicos ou por pura ignorância e falta de energia investigativa.
Que saudades tenho de O Independente dos primeiros anos: livre, curioso, destemido. Verdadeiro fiscal do regime.
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