Pedro Bandeira Freire
Há dias, cansado de andar por cá desde 2 de Agosto de 1939, o Pedro Bandeira Freire foi-se embora. Saiu de campo como se fosse o John Wayne num filme de John Ford. Mão grande a acariciar o cotovelo, balançou um pouco o corpo robusto (“do melhor, fabricado antes da guerra”, dizia ele) e avançou pela branca e luminosa planície, deixando o palco ao segundo neto que terá nascido nos dias seguintes. Como num filme do Ford, no último segundo, na 25ª hora, o Pedro tinha que rimar com todas as partidas e chegadas das suas paixões, com a Vida e Morte que ele, dramaturgo de 12 peças e ½ (“mais 4 do que os filmes do Fellini”, não é, Pedro?), sabia serem o “stuff” de que são feitos os sonhos.
Amigos há 30 anos (“amizade à primeira vista”, disseste), fomos muito mais amigos nestes últimos anos, e nem sequer estou a falar do “Entrefitas e Entretelas” de que ele me deixou ser o editor, mas sim da confiança com que uniu, como se fossem dedos da mesma mão, pessoas como o Gutierres, o Escudeiro, o Dinis Machado, o Alface, o Navarro, o Mendes Lopes. Juntou-me também a mim, a título de dedo mindinho. Éramos, com a Antónia, a Manecas, a Dulce, o grupo de Tróia.
Se disserem que o Pedro atravessou a vida como um cavalo alazão, nervoso e sempre a galope, não direi que é mentira. O Pedro escreveu poesia, amou centenas de mulheres, escreveu teatro (com prémio em Chicago) e revista, bebeu milhares de garrafas, fez versos para canções, amou outra vez as mesmas e outras mulheres, fez rádio e televisão o que celebrou com mais garrafas, fossem de absinto, do seu whisky ou de nobre tinto, foi actor ou realizador e foi delicada e apaixonadamente amado pelas mulheres que amou e até pelas que não terá tido tempo para amar (saibam que ele era belo, sedutor e lírico, terrível injustiça para os amigos desengonçados que nós somos).
Mesmo os que não sabem nada disto, sabem de certeza que ele (iniciado nos mistérios do cinema no Colégio Militar) fundou as quatro salas do Quarteto. Pagava-se bilhete para entrar, mas era prazer garantido.
Ao que se sabe, acrescento apenas um ponto. Todos os excessos do Pedro – as festas, afogar-se em copos, a desordenada variedade das mulheres amadas – têm a mesma cor de fundo. O Pedro, e percebi-o cada vez mais neste últimos anos, tinha sede: uma sede de absoluto, sede de verdade, de certezas. E tinha fome: fome de beleza e fome de infinito. Sede e fome que lhe provocavam uma turbação igual ao rufar de mil tambores.
Devíamos ter jantado no sábado, tu, o Gutierres e eu. No Mandarim, o melhor chinês da Europa. E era a tua vez de pagar. Ficaste a dever-me, nas não te safas com essa facilidade
Amigos há 30 anos (“amizade à primeira vista”, disseste), fomos muito mais amigos nestes últimos anos, e nem sequer estou a falar do “Entrefitas e Entretelas” de que ele me deixou ser o editor, mas sim da confiança com que uniu, como se fossem dedos da mesma mão, pessoas como o Gutierres, o Escudeiro, o Dinis Machado, o Alface, o Navarro, o Mendes Lopes. Juntou-me também a mim, a título de dedo mindinho. Éramos, com a Antónia, a Manecas, a Dulce, o grupo de Tróia.
Se disserem que o Pedro atravessou a vida como um cavalo alazão, nervoso e sempre a galope, não direi que é mentira. O Pedro escreveu poesia, amou centenas de mulheres, escreveu teatro (com prémio em Chicago) e revista, bebeu milhares de garrafas, fez versos para canções, amou outra vez as mesmas e outras mulheres, fez rádio e televisão o que celebrou com mais garrafas, fossem de absinto, do seu whisky ou de nobre tinto, foi actor ou realizador e foi delicada e apaixonadamente amado pelas mulheres que amou e até pelas que não terá tido tempo para amar (saibam que ele era belo, sedutor e lírico, terrível injustiça para os amigos desengonçados que nós somos).
Mesmo os que não sabem nada disto, sabem de certeza que ele (iniciado nos mistérios do cinema no Colégio Militar) fundou as quatro salas do Quarteto. Pagava-se bilhete para entrar, mas era prazer garantido.
Ao que se sabe, acrescento apenas um ponto. Todos os excessos do Pedro – as festas, afogar-se em copos, a desordenada variedade das mulheres amadas – têm a mesma cor de fundo. O Pedro, e percebi-o cada vez mais neste últimos anos, tinha sede: uma sede de absoluto, sede de verdade, de certezas. E tinha fome: fome de beleza e fome de infinito. Sede e fome que lhe provocavam uma turbação igual ao rufar de mil tambores.
Devíamos ter jantado no sábado, tu, o Gutierres e eu. No Mandarim, o melhor chinês da Europa. E era a tua vez de pagar. Ficaste a dever-me, nas não te safas com essa facilidade
... da-se! E não penses que me pões a chorar, ou merdas dessas. Tens-me à perna. Vou à tua procura nem que seja à mais demente das noites. E apanho-te: talvez em hossanas a um dry martini, em Nova Iorque, no Sardi’s (donde te telefonei como pediste, da última vez que lá estive). Apanho-te, se for preciso, de smoking em Cannes, com neve até aos joelhos em Berlim, no escuso casino de San Sebastian, ou nessa Lisboa fellinina que só existe nos teus sonhos. Mas apanho-te. Agarro-te pelos colarinhos apesar de teres o dobro do meu tamanho, e hás-de pagar-me com juros até tropeçarmos nas curvas de Deus, nos repentinos ângulos da Felicidade que, nu ou vestido, sóbrio ou alucinado, tanto procuraste – e tantas vezes te fugiu – neste vale de risos e lágrimas.
1 comentários:
Bravo Manel.
Obrigado!
A ti Pedro que vives-te o essencial da vida – com o amor da vida – quero dizer-te (nesta noite profunda da ausência) que gostei (gosto) muito de ser teu amigo.
Todos os bons amigos um dia nos deixam – partem…
Tu fazes falta.
Vigio a tua ausência.
A. Mendes-Lopes
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