domingo, 20 de abril de 2008

CARAMEL — Nadine Labaki

Ás vezes vou cortar o cabelo e a barba, mas não tive ainda a doce experiência de o fazer no salão de beleza de Madame Layale, Madame Nisrine e Madame Rima. Ali a técnica para fazer desaparecer os afloramentos capilares é uma mistura de açúcar com água e limão em caramelo. Essa técnica é uma metáfora da vida vista sem desespero mas com intensidade, às vezes doce, ainda que com dor, e às vezes amarga ainda que sem fatalismo, tudo se dissolvendo na fluidez purificadora da água, da água que corre como um rio e é origem de novas vidas e de novos caminhos por entre estreitos e alargamentos.

Caramel é uma história de mulheres passada no Líbano onde se cruzam os dramas universais por que todos passamos frente ao destino e ao inexorável passar do tempo e das oportunidades de felicidade que agarramos ou deixamos fugir. Mas é também um encontro de tempos diferentes que persistem num mesmo espaço geográfico e em que a inteligência prática feminina sai da sua condição e limite social para uma condução da história a partir da história de cada personagem.

Relações impossíveis, e sem saída, vividas como actos sagrados nos momentos em que se conseguem subtrair à vida das normas e das responsabilidades, vidas que se realizam no enfeite de uma juventude perdida mas iludida pelo poder e convicção do disfarce, vidas em acordo com as regras mas que secretamente se violam e corrigem permanecendo publicamente virtuosas, vidas cruzadas pelo desejo e a angústia, sonhando mas desistindo por outro amor ou responsabilidade, relações surpreendentes mas latentes que se satisfazem num platonismo amoroso de reconhecimento mútuo mas contido nos limites do que é estritamente legal embora construído numa intimidade longe de outros olhares.

Tudo mulheres belas, tudo mulheres com uma autonomia que lhes permite conduzir os destinos próprios sem saírem da esfera que dominam como ninguém a da intimidade e do seu secretismo. Não há “telenovelismo” sentimentalista, nem capitais de queixa prontos para reivindicações. Há a sabedoria do feminino. A sua maior beleza, o seu maior encanto e o seu mais intrigante mistério.

Dizia-me há muitos anos um velho amigo, que se chegássemos a uma terra muito feia mas conhecêssemos uma mulher bela por quem nos apaixonássemos, essa terra passaria a ser a mais bela de todas as terras. Por isso, talvez, esmagado com a surpresa que foi este Caramel, terei ficado a pensar que aquele salão de beleza em Beirute era talvez um dos mais belos que alguma vez pude imaginar.

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