domingo, 9 de março de 2008

O senhor que se segue.

Regresso ao tema da educação em diálogo com a Sofia. Por menos politicamente correcto que seja fazê-lo, parece-me justo que alguém reme contra a maré de crucificação da Ministra. Por duas ordens de razões:
1 - Porque Maria de Lurdes Rodrigues, com todos os seus defeitos que serão seguramente muitos, não «inventou» o caos em que se transformou a educação neste país. Nem é, tão pouco, a principal responsável pelo estado em que as coisas chegaram. As causas são profundas e têm muitos responsáveis. Alguns desfilaram ontem à tarde, outros exerceram funções executivas de muita responsabilidade e comentam hoje, com surpreendente à-vontade, as políticas da Ministra como se esta tivesse herdado um paraíso pedagógico e estivesse entretida em transformá-lo num inferno. Encontrar, ao fim de trinta anos de «eduquês» e de políticas suicidárias, um bode expiatório para os males da educação pode dar jeito a muita gente. Mas não é justo, não é responsável, nem contribui decisivamente para resolver o problema de fundo.
2 - No Expresso de ontem Henrique Monteiro propunha uma espécie de «roteiro para a educação» com que, no essencial me identifico. Defendia, muito sucintamente, a liberdade para os pais escolherem a escola dos filhos; a descentralização da gestão das escolas e das contratações, nomeações e avaliações de professores; a existência de exames nacionais no fim dos 4º, 6º, 9º e 12º ano (que - acrescento eu - deviam ser o elemento fundamental para a avaliação dos professores); e o ensino obrigatório até aos 16 anos com «possibilidade de retenção (chumbo) e passagem compulsiva para o ensino profissional em caso de mais de duas retenções no mesmo ano».
O problema - e esta é a segunda das minhas razões - é que uma reforma destas não teria o apoio de ninguém. Não teria o apoio dos sindicatos e de uma parte dos professores (é perigoso, reconheço, fazer generalizações)que assim veriam instituído um sistema de «progressão na carreira» tudo menos automático e que escapava completamente a qualquer tipo de controlo «colectivo». Não teria o apoio da hidra da 5 de Outubro que veria esfarelar-se o seu imenso poder burocrático e que perderia a sua própria razão de ser. Não teria o apoio dos teóricos do «eduquês» que não conseguem entender que um sistema de educação que não seja capaz de diferenciar e, no limite, de excluir (leia-se reencaminhar alunos para o ensino profissional) é um sistema que se limita a «despejar» doutores inúteis para um mundo profissional onde esse tipo de selecção se fará então com muita maior crueldade e prejuízo para todos. E - assim termino - esta reforma não teria, estou convencido, o apoio da generalidade dos pais. Porque muitos deles vivem embalados no ilusório «sucesso» de filhos que não chumbam e porque, mais do que ninguém, absorveram a tralha ideológica do «eduquês» e são hoje um obstáculo colossal à instauração da disciplina nas escolas.

A verdade é que este é um problema que ninguém quer verdadeiramente resolver. Mas como nos recusamos a admitir este facto vamo-nos entretendo a crucificar Ministros. Ou alguém duvida que é o que acontecerá ao Sr. que se segue?

5 comentários:

Anónimo disse...

Dou-me com o seu comentário sobre o facto de que esta ministra
"... não «inventou» o caos em que se transformou a educação neste país".

Não sou professora, atenção!
Mas dá vontade de entrar no 'ping-pong' e perguntar-lhe:
- E estes professores?
(Não os do PC and so on, mas os restantes que lá estavam na manif. e são, afinal, os que contam)

-Estes professores inventaram o "caos" educacional? -Foram o legislador durante 30 anos?
- Podemos assacar-lhes a responsabilidade pela autoridade que lhes retiraram; a massa crítica com que lhes inundaram a escola; o modelo de ensino que lhes deram para estagiar e crescer profissionalmente; a obsessão permissivista que lhes estabeleceram por 'guidelines'; a sucessão de modelos experimentados?

Pois é, bem pode ser a velha história da culpa morrer solteira! Mas aqui, neste cenário, os governantes são quem representa a "memória das administrações", duma maneira ou de outra tem (teria) de haver aqui algum sentido de Estado...

Entre os dois pólos, não tenho dúvidas sobre quem tem mais responsabilidades.
É quem não sabe operar de forma a ser firme mas não desastroso. De forma a tentar convencer e vencer. De forma a ser injusto mum mínimo possível de casos, por muitos que fossem. E de forma a não deixar tanto à vista a "cauda" do défice...

E e em última análise quem não é responsável são decerto os milhares de professor(-zecos...)que são os destinatários passivos da reforma.

Destinatários passivos: nunca dito com tanta propriedade.
Foi no que deu!

Laura

Anónimo disse...

Cara Laura,
Agradeço o seu comentário. E sou sensível ao seu argumento de que os governantes representam «a memória das administrações». Mas o meu ponto, não necessariamente contraditório, é simples: enquanto não assumirmos que este é um problema com causas profundas, em que ninguém está isento de responsabilides e - mais importante - que poucos querem ver verdadeiramente resolvido, é difícil que não prossigamos no caminho do «caos» por mais ministros que se decapitem.

Anónimo disse...

Eu acho um bocado interessante todo o processo que está à volta da reforma que a Ministra propõe. Dizem-nos que está baseado na (exportação) de um modelo que acho que é Finlandês. Dizem-nos que esse modelo é o melhor. Fazem entrevistas e fala-se que o estado da situação não é interessante. Escrevem-se artigos de jornal a propor isto e mais aquilo. Há debate e mais debate e mais debate. Professores ficam chateados. Ministra diz que "o estado das coisas não pode continuar" "está mal" "é um modelo arcaico e da idade média". Comentadores dizem que o "problema tem que ser resolvido assim ou assado".
Mas não será o problema da Ministra e dos professores e dos comentadores não perceberem nada de reformas educativas, dos mecanismos que levam a essas reformas, porque é que devemos adoptar um modelo e não outro, porque é que um determinado caso é melhor para Portugal do que outro? Por outras palavras, não será nosso o problema? Um problema colectivo (e não da Ministra ou dos professores ou dos comentadores)? Será que percebemos o suficiente (ou será que há quem perceba) o modelo?
Eu acho que se a Ministra nos explica-se o modelo e porque é que ele é bom em comparaçao com outros, e porque é que ele é o melhor para o caso Português em vez de impor uma coisa à moda terceiro mundista ('só porque teve sucesso na Finlandia e vamos agora importar a coisa') e, ainda mais, se ouvesse uma sociedade que correctamente delibera-se sobre a decisão da Ministra todos nós seriamos um pouco mais felizes.

Diogo

joshua disse...

Não há paciência para santificações de última hora da Ministra. Nem se atura que se lhe veja bondade nas opções de ferro.

PALAVROSSAVRVS REX

Anónimo disse...

Por falar em educação, caro Joshua, vejo que mantém intactas as suas impecáveis credenciais. Ninguém o acusará de ser incoerente.