terça-feira, 25 de março de 2008

As estratégias da liberdade




Não posso evidentemente deixar de ficar satisfeita por em tão curto espaço de tempo verificar que umas escassas considerações, sem qualquer pretensão filosófica (não fique o Gonçalo Moita preocupado), tenham gerado tamanha violência. Num espaço aonde em meu entender seria saudável e mesmo essencial posições e convicções intelectuais “claramente distantes”, acaba de se gerar uma onda de indignação porque existe alguém que entende que o princípio da liberdade é a fé e não a crença.
Lamento contrariar o vosso entendimento mas ao contrário do que expressa o João Luis Ferreira é exactamente a capacidade de termos fé em algo que não se concretiza em histórias de um “Jesus Cristo” que consubstancia a liberdade, a diversidade, o “desconsenso”. Esse é um compromisso com a nossa inteligência e com a nossa participação social e não, como sugere o João, uma fuga ao compromisso.
Lamento, mas a realidade que está por trás desta liberdade que proponho, é sem dúvida aquela que obriga os antípodas a sentarem-se à mesma mesa.
Quando o universo saiu do Nada (que os gregos já chamavam de “Kaos”), sempre ficou a dúvida do porquê de ter sido criada a possibilidade de ser possível evoluir dos macacos até ao que somos. Só que o descer das árvores implicou que passássemos a ver rente ao chão e jamais tivemos horizontes das copas que permitem ver o Sol antes de tal ser possível às formigas. E, por isso, a inteligência que fomos desenvolvendo deixou de vislumbrar o além senão quando podemos subir ao cimo dos montes, o que é cada vez mais difícil quando se vive na cidade envolvido pela “civilização”. É preciso um certo retorno às origens para nos libertarmos, voltando um pouco ao nosso primitivismo. Aí sim, podemos voltar aos medos que nos fazem acreditar em Deus, ou a ter necessidade disso.
Eu quero continuar a poder subir ao cimo dos montes e a ter a liberdade de ter um Deus que não me julgue pelas minhas crenças mas sim pela minha fé.

2 comentários:

João Luís Ferreira disse...

Cara Helena:

A sua tese é esta: o princípio da liberdade está na fé e não na crença.

Atribui à crença a origem de todos os desentendimentos entre os povos e isso faz da crença uma espécie de voluntarismo irracional que conduz à intolerância.

Depois, atribui a origem de todas as religiões, incluindo o cristianismo, a crenças, as quais, por falta de capacidade de ver o que está para além do que imediatamente se lhes apresenta, seja na cidade, seja na organização social, seja na condução política, corrompem a possibilidade de cada um, livremente, encontrar o seu Deus.

Finalmente, advoga um regresso ao primitivismo para que cada um possa, na impossibilidade de subir outra vez às árvores, pelo menos subir aos montes fora da cidade, da sociedade e da sua situação política, para se encontrar com a sensação primeva que fez nascer pelo medo e pela necessidade um Deus que é a medida da fantasia de cada um.

Para quem não teve, ao escrever o post “As estratégias da liberdade”, pretensões filosóficas, pergunto-me: então, são pretensões de quê?

Porém, não deixam de ficar por esclarecer muitas coisas:

1. A distinção entre fé e crença carece de explicitação. A fé tanto é o princípio da liberdade como é uma capacidade (a de, por exemplo, dispensar as histórias de um tal “Jesus Cristo”).

2. A liberdade também não se percebe bem o que seja porque a dá como equivalente de diversidade e de “desconsenso”. Noutro ponto, fala de uma liberdade que obriga a sentar os antípodas na mesma mesa.

3. O ver primitivo do macaco dado como equivalente do ver do homem com a diferença que o macaco via do cimo das árvores e o homem desceu para o nível dos rastejantes (formigas).

4. Dá a civilização entre aspas como obstrução a uma visão do além, como se a civilização com aspas fosse uma estratégia de ocultação do que cada um pudesse descobrir para seu descanso.

5. No post sobre a perturbante conversão de Madgi Allam parece estranhar um movimento de assumpção de diferença porque entende que se devia caminhar para uma superação das diferenças em que as religiões se desenvolvem, ou seja, para uma unidade transcultural, em que a doutrina fosse substituída pela vontade de ter um Deus que a julgue pelo que a Helena quer ser julgada.

Em resumo, ficamos a saber o que a Helena pensa do homem, da história e de Deus. Ficamos a saber que o homem descende do macaco com desvantagem para o homem porque enquanto macaco contemplava o além e, descendo das árvores e rastejando como as formigas, acabou a construir prisões a que chamou cidades e uma ilusão a que chamou civilização. Ficamos a saber que essa ilusão e essa cidade têm em todas as religiões, incluindo sobretudo o cristianismo, o fundamento da negação da liberdade dos homens rastejantes visitados por um desejo de evasão que se realizará, na impossibilidade de subir de novo ás árvores, na subida aos montes. E aí, finalmente, encontrar-se-á com uma projecção de si, dos seus medos e das suas necessidades, a que chamará Deus e que este Deus feito à imagem e à semelhança de cada um (o contrário da doutrina católica) é o natural produto da sua fé, um compromisso com a sua inteligência e a garantia da sua liberdade. Afinal, é simples! Tudo à medida. Prêt-à-Porter.

Helena Forjaz disse...

Caro João, em primeiro obrigada pelo feed back. Fico pelo menos com a ideia de que me faço entender o que nem sempre é fácil. Quanto aos conceitos que tentei transmitir, percebo que os queira rotular (julgando por consequência) e respeito como opção. Eu não tenho essa atitude tão determinada sobre o sentir de terceiros e prefiro uma discussão um pouco mais permissiva. Mas isso , seguramente maneiras de encarar a vida que essas sim, não são discutíveis.
Quanto a pontos por esclarecer, quado acabo de ler os seus comentários, parece-me afinal que está tudo esclarecido. O João no seu estilo claro e sistematizado deixa afinal pouco espaço para dúvidas. Deixe-me , apesar desta troca de argumentos que mativemos sobre este tema da liberdade, dizer que é bom que nos desafiem para pudermos , reflectindo, animar estas discussões e perceber que temos muito para aprender e quiçá para trabalhar nas nossas convicções.