segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Um difuso mal-estar…



Certeira, a SEDES apontou o cerne do que, hoje, importa discutir (ver aqui). O que pesa, o que incomoda, o que determina é este mal-estar imenso que a todos toca e condiciona.
Mal-estar grave e endémico, já que denuncia uma profunda crise de confiança.
Para a SEDES, os portugueses não acreditam no sistema político e não acreditam nos políticos. Os portugueses não acreditam na justiça, nos valores que prossegue e nos protagonistas que a fazem. Os portugueses não acreditam na comunicação social. Os portugueses não acreditam no Estado e na lei.
Fruto desta descrença, acrescento eu, os portugueses tendem a não acreditar em si. E, pior, estão a um passo de não acreditar na possibilidade do seu futuro.
Mas a SEDES denuncia os males do momento. E é lúcida, também aí.

Sublinha que a degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários se estende a todo o espectro político. Verbera a desqualificação do pessoal político. Assinala a “tentacular expansão da influência partidária – quer na ocupação do Estado, quer na articulação com interesses da economia privada – muito para além do que deve ser o seu espaço natural”. Alerta para o perigo de “um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão”, com o consequente horizonte de derivas populistas e caciquistas.
Reconhece “na combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz” um factor adicional da degradação da vida pública. “Com ou sem intencionalidade, essa combinação alimenta um estado de suspeição generalizada sobre a classe política, sem contudo conduzir a quaisquer condenações relevantes. É o pior dos mundos: sendo fácil e impune lançar suspeitas infundadas, muitas pessoas sérias e competentes afastam-se da política, empobrecendo-a; a banalização da suspeita e a incapacidade de condenar os culpados (e ilibar inocentes) favorece os mal-intencionados, diluídos na confusão. Resulta a desacreditação do sistema político e a adversa e perversa selecção dos seus agentes”. Mas a SEDES concretiza, dando voz a uma percepção difusa e entredita: “nalguma comunicação social prolifera um jornalismo de insinuação, onde prima o sensacionalismo. Misturando-se verdades e suspeitas, coisas importantes e minudências, destroem-se impunemente reputações laboriosamente construídas, ao mesmo tempo que, banalizando o mal, se favorecem as pessoas sem escrúpulos”.
Nesta sociedade doente, o relativismo moral e a incultura jurídica servem uma conveniente confusão entre legalidade e ética, com o efeito perverso de tornar admissível tudo o que a lei não proíbe. Mas percebe-se: na alvorada dessa legalidade utópica que enfim tudo disciplinará, está legitimada a prática que, na penumbra, vai adensando a corrupção e gerindo interesses ao arrepio do bem comum.
Como é típico dos ambientes concentracionários, a SEDES identifica ainda uma “presença asfixiante” do Estado sobre a sociedade, “a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado verdadeiramente livre para a iniciativa privada”. Mas, logo denuncia, esse Estado omnipresente é o mesmo que, frequentemente, se revela parcial nas suas “duvidosas articulações com interesses privados” e, pour cause, relapso no exercício dos seus deveres de regulação.
Um Estado desorientado, que falha na contenção da criminalidade violenta, ao mesmo tempo que, em áreas de menor premência, perfilha “um fundamentalismo ultra-zeloso, sem sentido de proporcionalidade ou bom-senso”.

Neste quadro negro, a SEDES vê uma ameaça à nossa coesão social. E apela à sociedade civil para que participe “no desbloqueamento da eficácia do regime”. Em nome de um imperativo de acção, que é um “dever cívico decorrente de uma ética da responsabilidade”: “não podemos ceder à resignação sem recusarmos a liberdade com que assumimos a responsabilidade pelo nosso destino”.
Para tanto, a prioridade está na regeneração dos partidos políticos. De acordo com a SEDES, tal dependerá da capacidade que tenham de: a) mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço; b) estabelecer um convívio diverso, dinâmico e criativo com a sociedade; c) converter-se em meio, deixando de ser um objectivo em si mesmos...
Paralelamente, “o Estado, a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do país, tem de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral”.
A SEDES fala em novas “esferas de reflexão e diálogo”, transparentes e escrutináveis.

Por mim, adiro sem reservas. O mal-estar existe. Difuso. Por isso, cada vez mais sufocante e cada vez mais destrutivo. Os partidos políticos estão doentes, gastos, velhos, baços. Pior, corrompidos. E são, evidentemente, a grande prioridade.
Mas tenho um medo real de que estas nossas angústias – a da SEDES e a minha – possam pouco. A degradação é geral e tem causas que não são de hoje. Está pois profundamente arreigada e, o que é mais grave, fez-se de uma progressiva erosão do pensamento e da inteligência.
Os partidos políticos estão reféns de protagonistas a quem não interessa a qualificação – para eles, tal significa desemprego. O debate político faz-se num registo muito básico, suportado em frases curtas e em ideias fáceis. O exemplo e a própria elevação que lhe subjaz deixaram de ter um papel. A esperança não é mais uma proposta e, portanto, falham as razões para uma mobilização efectivamente regeneradora.
De tudo isto falam pequenos detalhes do nosso dia-a-dia a que já ninguém presta atenção. Estamos assim, adormecidos e acríticos.

Resignados? Não sei. Mas o ar do tempo faz-se de alienação. Cada um trata da sua vidinha e aí esgota a medida da sua urgência. O verdadeiro problema é, afinal, esse.

A tudo isto voltarei. Em breve.

3 comentários:

Manuel Rocha disse...

Conclui muito bem, a meu ver, e explico porque o digo.

A questão é que já haverá muito boa gente que está a ler este relatório da perspectiva do inocente cidadão vitima de todos estes fenómenos para os quais apenas contribuem os outros, como se politicos, governantes, estado, fossem entes externos ( marcianos ? ) e não a projecção social daquilo que efectivamente somos como cidadania activa - uma lástima !

Cumprimentos pelo texto !

M Rocha

Anónimo disse...

Excelente texto e Post. Será que tal com no passado, a SEDES está a ser premonitória? O futuro o dirá.

Incontestável é o facto de hoje em dia as desigualdades sociais crescentes e gritantes e a corrupção impune provocarem na sociedade uma SEDE (adjectivo) crescente de comptetência e justiça.

Com os melhores cumprimentos,
CCInez

Madalena Lello disse...

"os partidos políticos estão reféns de protagonistas a quem não interessa a qualificação - para eles, tal significa desemprego". Uma das razões que nos conduz a este "difuso mal estar" prende-se precisamente com a crescente falta de responsabilidade a que os ingleses chamam "Moral Hazard".Excelente análise.