segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Pentimento: "Michael Clayton"

Ter "Michael Clayton" como candidato ao Óscar de Melhor Filme do Ano é acreditar nas histórias sobre a idade avançada dos membros da Academia de Hollywood, e acreditar que estão todos com Alzheimer. Já para não irmos mais longe - ao "Force of Evil" de Abraham Polonsky ou ao "Call Northside 777" de Henry Hathaway, p.ex., ambos produzidos há séculos, ambos magníficos -, há nos anos 70 do cinema americano duas ou três dúzias de fitas sobre os becos da consciência e a complexidade das escolhas morais que fazem "Michael Clayton" parecer uma pobre cartilha da escola primária, dotada duma subtileza acessível a quem aprendeu há dias a escrever.
No retrato de um advogado (George Clooney) que "desenrasca" tudo o que são situações legais dúbias numa grande firma da especialidade, "Michael Clayton" traça o habitual percurso da redenção, do despertar para a dignidade após anos a fechar os olhos ou a olhar para o lado, o "do the right thing" quando apenas existem desvantagens exteriores nessa escolha.
É a herança directa do cinema liberal americano, das parábolas políticas de Alan J. Pakula, dos testes morais de Sidney Lumet face à corrupção policial, das ambiguidades de comportamento nos primeiros trabalhos de Ivan Passer e Bob Rafelson. O problema de "Michael Clayton" é ser uma cópia, um filme-Xerox, uma variação esquemática sobre a mesma rítmica, com um instrumento novo (o flashback, cujo núcleo é repetido, sob um ponto de vista diferente, na sequência anterior ao clímax) que só faz barulho, não acrescenta melodia.
Há o consultor, outrora inocente, agora adormecido num mundo de conveniências; há o patrão do mega-escritório, para quem os meios justificam os fins, desde que ele não saiba demasiado sobre os meios; há a directora do departamento legal de uma multinacional de produtos agrícolas (a mutante Tilda Swynton, uma actriz de registos únicos, agora premiada pelo papel errado); há o cérebro jurídico que perde a cabeça e resolve denunciar os podres da civilização (Tom Wilkinson, uma espécie de sobrinho desinsipirado do Peter Finch de "Network"); e há mesmo os cavalos como símbolo de normalidade e libertação - mas de "Os Inadaptados" a "Quando a Cidade Dorme", já vimos isto 50 vezes.
"Michael Clayton" é um filme que tropeça nos altos valores da sua própria banalidade. Pelos vistos, há quem o considere um dos melhores filmes do ano.
Pobre ano.

1 comentários:

Anónimo disse...

Delicioso ponto de vista.
Gostei do filme, mas realmente não achei assim uma coisa tão por aí além... muito menos a interpretação de Clooney.




Aproveito para o convidar a folhear a nossa revista.

Cumprimentos cinéfilos,
José Soares