sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O Quadro Roubado

Agora que o roubo de pintura voltou a fazer primeiras páginas, se eu pudesse roubar um só quadro levaria para a mais recôndita e nua das ilhas esta Crucificação, que Matthias Grünewald começou a pintar em 1512.
Duas mulheres, dois homens e o cordeiro de Deus (o que tira os pecados do mundo?) rodeiam um agónico Cristo que os especialistas dizem estar morto, ainda que eu pressinta haver nele um indelével rasto de vida. Este homem gigantesco, cujo peso torturado faz ranger o madeiro que o sustenta, desiquilibra todas as linhas, nega qualquer princípio de composição.
Há, nesta Crucificação, que imagino estar guardada a setes chaves no Museu de Unterlinden, em Colmar, um excesso patético de que as mãos do Cristo flagelado são a mais retorcida e desmesurada representação.
Ao lado deste Cristo que cresce, todas as outras figuras encolhem. Talvez a dor dessa violenta compressão explique o desmaio que tomba a rejuvenescida Madona nos braços do apóstolo dilecto. Ou a entrançada angústia das mãos de Maria Madalena.












Este seria o meu quadro roubado. Mas como é que se rouba um painel de dois metros e sessenta e nove de altura por três metros e sete de largura?

6 comentários:

joshua disse...

Olha, Manel, um comentário ecfrásico como este teu a tão expressivo quadro faz de ti o mais perigoso dos 'ladrões de arte'. O que lhe rouba e patetiza a espiritualidade e a densidade simbólica, prosaisando agonicamente o que é sublime, e o é para ti, claramente, não digo que não.

De esse ponto de vista já o 'roubaste e capturaste' numa leitura cheia de desvio.

Se fosse eu o ecfrásico comentador diria outras coisas ao lado do que disseste, sobretudo a hipérbole do sofrimento e a mensagem híbrida naquelas mãos cravadas que se enclavinham humanas numa rebelião agónica e ao mesmo tempo como que agarram o Céu, como a um manto, para não mais O soltarem.

Espero que não sejas de ressentimentos porque nem sempre sou simpático, cordial e urbano.

Abraço

PALAVROSSAVRVS REX

Manuel S. Fonseca disse...

Joshua,
Ressentimentos nunca. Mas, em definitivo, diferentes comprimentos de onda, porventura insicronizáveis. Para que conste, e por urbanidade, aqui ficam alguns pontos idiossincráticos. Sou: 1. um tipo desactualizadíssimo; 2. um ser apático e bastante indiferente às grandes causas político-partidárias e, confesso envergonhado, até sociais; 3. um indíviduo com ouvidos de ferro que praticamente só se sobressalta com boleros do Trio los Panchos; 4. um míope cujas leituras vão pouco além de livros publicados até 1915/16, ali por volta da I Grande Guerra… 5. um benfiquista amante de vinho tinto (couratos not included); 6. um cavalheiro que se rege por Estatutos de um só artigo, a saber: “chatices não”.

joshua disse...

Óptimo, Manel, no insincronizável é que está o ganho e na chatice o benefício e aí sintonizamos porque ambos não perdemos tempo com chatices. Simplesmente as ignoramos, caso lhes não queiramos resistir, falando muito delas e visitando-as e dando-lhes trela explicativa.

Eu também sou um Idiota e por isso mesmo aprecio as tuas postas sinceramente, assim como o 'fraco' currículo que me estás sempre a recordar por irónica metonímia antitética.

Agora, benfiquista é que não! Nem cavalheiro!

Só mortal! Mortífero, pelo manejo da Razão, em relação a quem o mereça: quem não quiser ser inteiramente humano para com os outros e preferir nefelibatizar desprezivamente, só pela Razão poderá ser abatido, ainda que por uma Razão emocional e emocionada na óptica de «o que em mim sente está pensando».

PALAVROSSAVRVS REX

Madalena Lello disse...

Impossível roubar pelo tamanho???

Não foi a escultura de Moore, que pesava toneladas, roubada num jardim?

Anónimo disse...

Manel, eu levava um Rubens, um Modigliani, um Tamara de Lempicka, um Vermeer e um Klimt: porque é que os quadros de que mais gosto de todos eles retratam mulheres?

Manuel S. Fonseca disse...

Pedro, nos quadros contenho-me. É nos filmes que, como verás em post acima, ando em tratamento prolongado e com medicação pesada...