quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O Baile de Sócrates

Tenho especial apreço por Ricardo Costa e Nicolau Santos e mais ainda por aquilo que este último representa para o jornalismo económico no “Expresso” e no país. Logo, não há aqui lugar para divertimentos com teorias da conspiração. Mas a verdade é que os dois levaram um baile do Primeiro-ministro na entrevista de segunda-feira passada. Esse baile podia ter acontecido a si ou a mim e resultou simplesmente do facto de que Sócrates era o mais preparado do grupo. E o “amaciamento” dos entrevistadores a partir de certa altura deveu-se ao facto de eles terem inteligentemente reconhecido a desvantagem, algo onde – perdoe-se-me o eventual machismo – as entrevistadoras femininas mais dificilmente cedem (isto dos blogs é óptimo porque até a psicologia barata nos permitimos).

A impressão com que fiquei da entrevista é que Sócrates está bem preparado para os temas da governação porque é com isso que mais gasta o seu tempo: preparar-se. A impressão que dá é que delega competências e tarefas aos seus ministros e “ajudantes”, concentrando-se na organização do funcionamento do governo, na obtenção de resultados e na sua análise e interpretação. E isto fá-lo com algum saber, como se fosse um CEO de um empresa.

Estas coisas mostram-se melhor com um exemplo. Um dos entrevistadores arrancou com a pergunta segundo a qual o governo queria criar 150 mil postos de trabalho mas nos últimos anos tinham desaparecido uma ou duas dezenas de milhar. Nada disso, retorquiu Sócrates: nos últimos anos foram criados 90 e tal mil postos de trabalho, acrescentando, com grande prazer, “líquidos”. Isto é certo e é um dado de polichinelo. Os entrevistadores enfraqueceram e tentaram emendar a mão mas foi tarde e mote estava dado.

Quem sabe menos que o Primeiro ministro pode todavia ainda confrontá-lo com os pressupostos em que o mesmo está envolvido e onde a sua defesa será mais fraca. No caso acima mencionado a pergunta seguinte deveria obviamente ser: "Mas, senhor Primeiro-ministro, em que é que se baseia para atribuir a criação desses postos de trabalho à acção do seu governo?" É que Sócrates está a conseguir fazer passar a mensagem de que tudo o que acontece de bom se deve ao governo e que tudo que acontece de mau se deve à pesada herança que recebeu do PSD e do PP.

Sócrates parece um daqueles alunos que se esforçam todos os dias para serem os melhores da turma e que ficam furiosos quando recebem um 13. Na entrevista de segunda-feira recebeu seguramente um 15 (o 16 ainda está reservado só a Cavaco).

3 comentários:

Nuno Lobo Antunes disse...

Na minha modesta opinião, o papel de um entrevistador não é a de um examinador. São coisas diferentes. As perguntas deverão ser pertinentes, mas a posição do entrevistador neutra. Quando não é assim, e o tom passa a ser inquisitorial, como se o entrevistado fosse um adversário, os entrevistadores arriscam-se a "perder", o que não faz qualquer sentido. O exemplo do Mário Crespo, indubitavelmente mais culto e informado que a maioria, deveria ser seguido pelos entrevistadores "chico-espertos" à la Margarida Marante.

Helena Forjaz disse...

Estou de acordo com o Nuno L.A.. O entrevistador não deve ser um inquisidor nem um "chico esperto" à la M.M.. No entanto é lamentável que estando nós a falar de jornalistas como um Ricardo Costa, que considero ser do melhor que há em portugal,além de ser inteligente, não tenha , nem ele nem o seu parceiro, conseguido "sacar da cartola" nada de novo. Não foi posta em cima da mesa nenhuma ideia nova.A incapcidade de se criarem novos pontos de vista, é bem demonstrativa da apatia em que se encontra a sociedade Portuguesa.Parece-me que o único que ainda faz "números de circo com fatiotas usadas" , é mesmo José Sócrates. Digo isto com alguma angústia pois acho que é um caso claro de quem brilha apenas porque não há quem pense. Era o mínimo que eu esperaria do Ricardo Costa. Ele deveria ser o modelo de uma geração pensante e não conformada. É pena.

Anónimo disse...

Caros,
Têm razão, eu tinha alguém em mente quando fiz a "piada" sobre as entrevistas em feminino. Mas era a Judite de Sousa que, perante o panorama actual, até consegue destacar-se. Do passado não há nenhuma de que me lembre de que tenha gostado. Mas as boas entrevistas não se fazem com chico-espertismo ou apenas com inteligência, mas sim com inteligência e preparação. E aí o género (como se diz agora) evidentemente não conta (se é que conta alguma vez). Veja-se o saudoso Tim Sebastian do Harld Talk da BBC e aquele que agora lá está e de que não me lembro o nome. Mas isso são homens para terem vastas equipas por trás a fazer pesquisa antes de irem para a frente das câmaras (temos alguém que apesar de tudo dá cartas a este nível: a Teresa de Sousa).