quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O atlantismo português

Os que defendem a vocação atlantista de Portugal afirmam logo de seguida que temos de ser aliados especiais dos Estados Unidos. Os saltos de raciocínio que se expõem nestas afirmações apenas mostram a ignorância de lógica por parte da classe política e respectivos comentadores. Querem transformar em necessidade o que mais não é que escolha.

A vocação atlântica de Portugal é geográfica e histórica. Portugal está virado para o Atlântico. E a sua História esteve ligada ao Atlântico. Mas de forma consistente apenas para o Atlântico sul. Primeiro vício, a sinédoque. Não é todo o Atlântico que no envolveu, mas sobretudo o sul, onde deixámos colónias. Os Estados unidos não estão no Atlântico sul, ergo...

Em segundo lugar, o facto de historicamente ter havido uma vocação não quer dizer que ela exista sempre. Há inércias históricas que são muito fortes. As da mentalidade as mais fortes de todas. A razão de ser é simples. O ser humano pode mudar de lugar, mas não de cabeça. Já as inércias geográficas podem ser aproveitadas em moldes bem diversos. O mesmo Japão que esteve séculos fechado sobre si mesmo tem mais transacções durante mais de um século com o mundo ocidental que tem com os vizinhos. Portugal dá ênfase à Índia e depois ao Brasil. À França potência continental segue-se a França potência colonial. Da mesma forma, Portugal mais centrado para o seu oriente na Europa é seguido por um mais virado para o Atlântico até ir para o Oriente asiático. Onde está um país pode ser fatalidade. Para onde ele se vira, não.

Em terceiro lugar ninguém se pergunta se é do interesse dos Estados Unidos para onde se vire Portugal. Foram bem conhecidos os constrangedores episódios em que os Estados Unidos se esqueceram de sequer colocar o nome de Portugal entre os seus aliados e um triste chefe do governo se pôs de bicos de pés a dizer “eu estou aqui”. Concedamos: não se esqueceram por mal, o que é ainda mais grave, porque objectivo. Simplesmente, irrelevamos para os Estados Unidos. Se eu fosse americano também esqueceria Portugal naturalmente. Querer que o nosso principal aliado seja alguém que se esquece da nossa existência mostra algo da falta de amor-próprio de quem o afirma.

Basear uma política externa numa sinédoque mal travestida, numa fatalidade não fundamentada e aceitando ser irrelevante, eis o que nos oferecem os que se consideram atlantistas.

Daí a dizer que temos de ser inimigos dos Estados Unidos vai um grande passo. Mas só pode ser aliado quem existe e releva. Aliada dos Estados Unidos pode ser a Europa e Portugal nela. Ter a presunção de que sozinhos o podemos ser não é pôr-se em bicos de pés: é dar um salto para o oceano. Meter-se na água.






Alexandre Brandão da Veiga

3 comentários:

Nuno Lobo Antunes disse...

Uma enfermeira do "Neurological Institute of New York", perguntou qual a minha origem. Quando respondi: Portugal - os olhos brilharam num entusiasmo de descoberta e replicou: - "How exhotic!" - Claro que numa assembleia de mais de cem enfermeiras portuguesas, quando perguntei se conheciam Dostoewski, (a propósito de epilepsia), nem uma, (e todas tinham o 12 ano), tinham ouvido falar de tal senhor, e já agora nem uma tinha ouvido falar de Gabriel Garcia Marquez, dos cem anos de solidão ou da maldição da família Buendía e do rabo de porco, (a propósito dos mielomeningocelos).

Anónimo disse...

a tradicao atlantista de portugal e um bluf, um fracasso, uma ignorancia, um buraco se cozinhada do modo como tradicionalmente e cozinhada.
eles sao mais bolos.

Anónimo disse...

A quem interessa "o atlantismo português"? À grande maioria do povo ou a uma pequena "casta" de novos senhores feudais? Qual a factura que pagamos a mais para "inflacionar" os Bancos EDP etc.? Para evitarmos o "abraço" continental teremos nós, povo, que continuar a "engordar" áreas estratégicas, prescindindo de melhores condições de vida, tornando este "Rectangulo" numa quinta imperdivel para essa "casta"?