quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Não há futuro

Julgamos saber que não podemos banhar-nos duas vezes nas mesmas águas do rio que passa, da mesma forma que fingimos ignorar que só há um caminho que é e não pode não ser, pois o que não é e é forçoso que não exista é um caminho impensável. Ao imparável rio que flui e à esplêndida e imóvel eternidade une-os a mesma substância física, o mesmo mistério metafísico: a natureza do tempo.
O tempo corre, o tempo foge. Há essa ideia de que o tempo se dirige para a frente e nos leva para o futuro. Temo, e o plotinano primeiro capítulo da “Historia de la Eternidad”, de Jorge Luis Borges instiga-me à suspeita, que seja outro o movimento do tempo, que seja mais nostálgica a natureza desse fluxo.
Lendo o inteligente e inquieto
post da Sofia Galvão, concluí, como a Sofia, descurando embora as razões cívicas que a atormentam, que não há futuro. Desgraçadamente, acolho a ideia com insensato optimismo.
O beijo que te dou, o generoso decote com que te insinuas, a fúria que te faz explodir em soluços, são actos que têm um só sentido: consolidar o passado.
Não há futuro. O presente, se é que o presente chega a ter densidade metafísica, serve apenas para actualizar ferreamente o tempo que foi e que, por ter sido, não pode não ser. O sonhado e mitológico amanhã que canta é, ainda e outra vez, uma forma subtil de o passado se expandir, como se expande a tinta que tinge de vermelho, numa prosaica máquina de lavar, a branca camisola de lã.
O futuro? Que lástima! Encosto-me à móvel e milenar ombreira do passado e sinto que a eternidade e a esperança se insinuam.

5 comentários:

Armando Rocheteau disse...

Heraclito e Parménides no início de um post. Grande Manel!

joshua disse...

Manel, quase sempre a intuição mais básica, sacudido o pó da superstição, atestam haver Eternidade e ser fundamental a Esperança.

São um Sumo que se espreme.

PALAVROSSAVRVS REX

Helena Forjaz disse...

Manel, São Tomás de Aquino dizia que existe o presente e apenas o presente. Chega para acalentar as angustias?Falo-lhe de um sítio recondido no fim do mundo (Quirimbas) aonde parece não existir presente, apenas passado e um infinito futuro...não sei que lhe diga, estou eu gora cheia de dúvidas. Comecei a ficar angustiada!

Manuel S. Fonseca disse...

Armando,
Lá teve que ser. Também não me lembrava de mais nenhum!
Joshua,
Obrigado pela fruta.
Helena,
Faço notar que vejo com moderado entusiasmo a ausência de futuro. A perspectiva de cada dia ter mais passado é sonsoladora. E Quirimbas parece-me um destino prometedor, capaz de gerar memórias incandescentes.

Manuel S. Fonseca disse...

Helena
Onde está sonsolador, leia-se consolador. Que gralha sonsa!