quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Quando o milagre é feito de abuso


A Provedoria de Justiça acaba de revelar o resultado de uma acção de inspecção a alguns serviços de finanças e o saldo é arrasador. Afinal, como já muitos sentiam na pele, o défice desceu à conta do abuso.
Citando o Público de hoje, já que não li ainda o relatório, “contas bancárias totalmente congeladas em resultado de penhoras fiscais independentemente do valor da dívida; penhoras de vencimentos e de ordenados que ultrapassam os limites estabelecidos na lei; liquidação de juros de mora, umas vezes por excesso outras por defeito; cativação de reembolsos de IRS sem que estejam esgotados os meios de defesa dos contribuintes; situações em que são os contribuintes a avisarem os serviços de finanças de que impugnaram as liquidações que lhes foram efectuadas; e penhoras efectuadas depois de ultrapassado o prazo de prescrição das eventuais dívidas fiscais”.
Num Estado de Direito, quando estão em causa os direitos e garantias mais essenciais, tudo isto é verdadeiramente trágico. Revela um autoritarismo arrogante e uma perigosa insensibilidade aos rudimentos mais elementares da legalidade democrática.
Mas acresce que, como bem sabe quem conhece a recente ferocidade da máquina fiscal – aquela em que radicam os tão elogiados sucessos da nossa política orçamental –, a prática das cobranças tem-se revelado tão voraz quanto cega. O que é, em si, também absolutamente dramático.
O facto é que vivemos num país cujo tecido económico tem fragilidades conhecidas e que, por isso, tem vivido com grandes dificuldades o processo de reestruturação a que se viu forçado pelas circunstâncias. Ora, neste contexto, o Fisco tem sangrado inúmeras empresas – pequenas e médias empresas, predominantemente –, impondo-lhes um regime que não deixa alternativa ao puro e simples encerramento. Ou seja, em nome do equilíbrio orçamental, o objectivo do resultado fiscal auto-justifica-se - e, de caminho, leva na enxurrada, inevitavelmente, toda a sorte de contribuintes. Aqueles a quem a nova economia sempre ditaria a morte, mas, também, e o problema é esse, aqueles a quem uma política correcta permitiria um horizonte de saneamento e regeneração.
Portanto, o ponto é jurídico, mas é igualmente económico. E, no fundo, é ainda financeiro – sendo como é patente que, nessa matéria, tudo se tem bastado com o milagre fiscal.
Pelas várias razões, saúdo a iniciativa do Provedor de Justiça. Fiscalizar é importante. E divulgar os resultados da fiscalização é sempre decisivo – pelo menos para quem, como eu, não desista do projecto de viver em liberdade, num Estado de Direito que se quis democrático.

2 comentários:

Anónimo disse...

Não estaremos a assistir ao esvaziamento da democracia?!
Ficar só com eleições livres de 4 em 4 anos é pouco, muito pouco para um país que sonhou e ambicionou tanto um Estado de Direito Democrático.

Gonçalo Magalhães Collaço disse...

Muito pertinente e oportuno «post» e, mais ainda, muito inteligentemente deduzido e concluído. A questão decisiva é, sem sombra de dúvida, essa mesma: a ausência da Liberdade em que vivemos. O despotismo determina-se exactamente pela arbitrariedade, prepotência, efectivo poder de completa subjugação dos cidadãos, individualmente considerados, do Governo de um Estado ou República. Mas não é surpreendente, essa é uma tendência natural do socialismo que, pouco a pouco, nos vai esmagando e conduzindo à miséria, em nome de uma muito sua superioridade moral, nunca provada mas, estranhamente, por muitos sempre comumente aceite. Não por acaso, é o Liberalismo, de facto, que se opõe ao Socialismo. Desde sempre, desde início.