O Orçamento e o Nada
Ao contrário das opiniões bastante temperadas e tépidas do painel de notáveis do (em geral excelente) suplemento de “Economia” do “Expresso”, Bagão Félix, numa entrevista dada ao “Correio da Manhã” (o jornal mais eficaz do país), não deixa, do Orçamento Geral do Estado de 2008, pedra sobre pedra. O que me interessou, tanto nas opiniões do painel, como nas de Bagão, foi o facto de se tratar de “praticantes” e não de teóricos. Há vários ex-ministros das finanças e um ex-primeiro-ministro. Sem sombra de dúvida, sabem do que estão a falar.
Para Bagão Félix, que é pessoa sensata e séria, este OE é uma farsa e está cheio de falácias. É verdade, diz, que o OE apresenta um défice abaixo dos 3%, mas fá-lo à custa dos impostos, o que é mau para a economia. Antes, assevera Bagão Félix, esse redondo e dourado mito dos 3% atingiu-se à custa da venda de um património que muitas vezes só dava despesa, o que fazia com que o Estado ganhasse em dois carrinhos. O Estado deixava de ter desperdício e assegurava receitas extraordinárias. Agora, os 3% são conseguidos à custa da falácia que é a pressão fiscal. Traduzo em soundbytes: “mais impostos, menos desenvolvimento”. Deixando-nos de soundbytes e descendo à realidade: em 2008, até 13 de Maio estaremos todos, trabalhadores e empresas, a trabalhar para o Estado. Em 2007, diz Bagão e diz bem, a partir de 8 de Maio já estávamos a trabalhar para nós próprios.
A segunda falácia, segundo Bagão Félix, é a da estrepitosa máxima, “saem 2, só entra 1”, com a qual o Governo assegura que, reduzindo o pessoal da Administração Pública, está a cortar na despesa pública. Bagão reconhece que o soundbyte é impressivo, mas castiga-o denunciando-lhe a falácia: os 2 que saem, como o mercado não os quer, vão para a Caixa Geral de Aposentações, o que significa que, afinal, “saem 2 e ficam 3”.
A entrevista diz muito mais, mas para o que me interessa, já basta de citações. E o que me interessa é muito simples: o que é que se pode então fazer?
O recurso às receitas extraordinárias de que Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite foram, à míngua de outras soluções, paladinos, mesmo que, por suposição, seja “melhor” do que a carga nos impostos, não foi, por si só solução, e não é, sobretudo, uma solução muito mais desenvolvimentista do que a do eufemismo que dá pelo nome de pressão fiscal.
Há, por isso, que reduzir a despesa pública. Mas Bagão Félix reconhece que também ele, quando foi Ministro das Finanças (e Manuela Ferreira Leite, se bem me lembro), não conseguiu cortar nas rubricas de pessoal. Em última análise, digo eu, se na sua actual forma a passagem de funcionários para a Caixa Geral de Aposentações é apenas uma transferência de custos duma rubrica para outra (que, a não ser por engenharia. em nada alivia o OE), presumo que a única forma efectiva de cortar despesas na rubrica de pessoal é virtualmente impossível, uma vez que implicaria que os funcionários fossem espoliados dos seus direitos, do que resultaria, como é lógico, uma ruptura no plano social cuja brutalidade, insustentabilidade e custos são impensáveis.
Ou seja, a redução de pessoal de Estado, pelo menos na rubrica de pessoal, é um belo estandarte eleitoral. Mas tanto a direita, como a esquerda se apressam a arrumá-lo no sótão no dia em que o chefe entra em São Bento. E nem é por cinismo, mas apenas por “realpolitik”, a mesma que nos obriga a reconhecer que o OE tem de ser construído com um conjunto de condicionantes “europeias” tão liminares como a de não haver política monetária própria ou não haver politica cambial própria. Deixo a especialistas o elenco acabado e rotundo de tudo o que um Ministro das Finança não pode fazer por imperativo incontornável (hélas!) do Concílio de Bruxelas.
Basicamente, e quando se trata de criticar o OE que o Governo em exercício propõe, a Oposição, seja ela qual for, grita a plenos pulmões que o crescimento tem de basear-se numa efectiva melhoria da produtividade e que, para lá chegarmos, o papel da educação, essa obscena paixão, acaba por ser fundamental. Ou seja, tirando declarações de princípio genéricas, mesmo os “praticantes”, pelo menos em fórum público, limitam-se a apontar ao OE “technicalities”, reconhecendo que, se estivessem no Poder, e tirando fórmulas já usadas, pouco teriam para propor de verdadeiramente diferente.
O que é que se pode fazer então? Tirando “technicalities”, Nada. E é entre o Nada e o Nada que voltaremos a escolher nas próximas eleições. Pela parte que me toca, desculpem-me o hermetismo, prefiro Faulkner.
3 comentários:
A opinião é muito "indêntica" à de um qualquer ser humano que tem que gerir o seu orçamento mensal...
Caro Manuel:
Há decerto soluções alternativas. E uma delas passa por um programa de redução real da função pública e do seu peso no Orçamento. Uma delas é a eliminação de serviços públicos e o consequente "despedimento" dos respectivos funcionários. Essa solução terá de ser acompanhada de indemnizações, as quais requerem por sua vez financiamento extraordinário.E ou se aceita, com a bênção bruxelense, que esse financiamento não conte para o défice (por representar uma medida estrutural de diminuição da despesa) ou se arranja uma fonte própria (a venda do ouro, como, em tempos, propôs Miguel Cadilhe). Há soluções, assim haja coragem.
Caro Paulo,
Embora sem mandato, arrogo-me o direito de expressar o sentimento dos restantes subscritores deste blog para lhe dizer que nos faz falta contar com mais participação sua, nem que seja para comentar a minha azelhice nesta matéria.
O seu comentário autoriza, julgo eu, parte das minhas suspeitas: sem receitas extraordinárias ou sem o beneplácito de Bruxelas para legitimar alguma engenharia, não é fácil cortar na despesa pública. E se agora o PS de Sócrates não teve a coragem que o Paulo aponta como decisiva, é também verdade que Manuela e Bagão, confrontados com o problema, também não foram a jogo. Ou seja, olharam para a "mão" que tinham e passaram. Se assim é, como é que os cidadãos "apartidários", meio cépticos e com uma vaga simpatia por um consensual centrão, se hão de decidir?
Um abraço
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